sexta-feira, 13 de julho de 2012

A FORMAÇÃO DAS SOCIEDADES FEUDAIS

O clima de insegurança e de intranqüilidade espalhado pela onda de invasões conduziu os cristãos europeus a construir vilas fortificadas e castelos cercados com grandes estacas. Todo esse sistema defensivo criado pela iniciativa particular dos nobres de cada região demonstrava a falta de poder dos reis para organizar a defesa da sociedade como um todo. Cada um defendia-se como podia, associando-se a senhores mais poderosos, em busca de proteção. Nesse sentido, as "invasões" assinalaram uma data essencial na formação das sociedades feudais do ocidente.

CONTRIBUIÇÃO PARA A FORMAÇÃO DO FEUDALISMO
O desmembramento do poder real dos monarcas carolíngios foi acompanhado pela crescente independência e autonomia da nobreza agrária. Houve forte descentralização e fragmentação do poder político, evidenciando a crise interna vivida pelo império. Depois de um período sem invasões, a Europa cristianizada sofreu uma série de novas invasões, nos séculos IX e X, em três grandes frentes: leste, norte e sul. Do leste vieram os húngaros (magiares), que promoveram ataques periódicos, saqueando vilas, mosteiros e propriedades rurais. Do norte ocorreu a invasão dos vikings (escandinavos), que, vindos da Dinamarca pelo mar do Norte, lançaram-se em constantes ataques de pirataria a diversos locais do litoral europeu. Em 911, o rei franco Carlos, o Simples, cedeu a um dos chefes vikings, Rollon, o território da Normandia. Em contrapartida, Rollon tornou-se vassalo do rei franco. Pelo sul chegaram os árabes, de religião muçulmana, que, dominando a navegação pelo mar Mediterrâneo, lançaram-se em sucessivos ataques de pilhagem a diversas regiões da Itália (Roma, Campânia e Lácio) e às grandes ilhas (Sicília, Córsega e Sardenha). O comércio entre Europa e Oriente continuou ativo, ainda que enfraquecido, mesmo com o fim do Império Romano do Ocidente. Só com o estabelecimento do domínio árabe no mar Mediterrâneo é que houve forte retração no comércio europeu-oriental: "O fato de a expansão islâmica ter fechado o Mediterrâneo, no século VII, teve como resultado a rapidissima decadência do comércio. No decorrer do século VIII, os mercadores desapareceram em virtude da interrupção do comércio. A vida urbana, que ainda permanecia, graças a esses mercadores, malogrou ao mesmo tempo. Manifestou-se, então, um empobrecimento geral. O numerário de ouro, herdado dos romanos, desapareceu, sendo substituído pela moeda de prata dos carolíngios. Essa é uma prova evidente do rompimento com a economia antiga caracteristicamente mediterrânea"
è     A fusão de elementos romanos e germânicos
Analisando as características do sistema feudal, percebemos que contribuíram para sua formação elementos de origem romana e germânica.
1.      Elementos romanos
Entre os elementos de origem romana podemos destacar: o colonato - sistema de trabalho servil que se desenvolveu com a decadência do império, quando escravos e plebeus empobrecidos passaram a trabalhar como colonos em terras de um grande senhor. O grande proprietário oferecia terra e proteção ao seu colono, recebendo, deste, um rendimento do seu trabalho. Desse modo, as cidades começaram a perder importância, enquanto, por outro lado, desenvolviam-se as vilas, unidades econômicas do mundo rural, com produção agropastoril destinada ao autoconsumo. a fragmentação do poder político - no final do período imperial, a administração romana já não tinha condições de impor sua autoridade em todas as regiões do império. Com o enfraquecimento do poder central, os grandes proprietários de terra foram adquirindo crescentes poderes locais.
2.      Elementos germânicos
Entre os elementos de origem germânica destacam-se: economia agropastoril - a base da economia germânica era a agricultura e a criação de animais. Não havia a preocupação de se produzir mercadorias para o comércio. Comitatus - instituição social que estabelecia laços de fidelidade unindo o chefe militar e seus guerreiros. Beneficium - os chefes militares germânicos costumavam recompensar os esforços de seus guerreiros, oferecendo-lhes possessões de terra denominadas beneficium. Em troca da possessão, o beneficiado deveria oferecer, ao seu senhor, fidelidade, trabalho e ajuda.
è     A divisão do poder político
Os laços de vassalagem e a autoridade dos senhores feudais. Conforme vimos, houve uma fragmentação, uma divisão do poder político entre os grandes proprietários de terras, isto e, os senhores feudais. Os reis continuaram existindo, mas sem poderes plenos e efetivos. Os senhores feudais, reunindo funções administrativas, judiciárias e militares, governavam seus feudos de maneira autônoma, mandando e desmandando em suas regiões. A união social era garantida pelos laços de vassalagem. Nessa relação, encontramos, de um lado, o suserano (proprietário que concedia feudos a seus protegidos) e, de outro lado, o vassalo (pessoa que recebia feudos do suserano, prometendo-lhe fidelidade). Entre suseranos e vassalos estabelecia-se um contrato de vassalagem, que tinha início com a transmissão do feudo e compreendia dois atos solenes: Homenagem - juramento solene de fidelidade do vassalo perante seu suserano. Investidura - entrega do feudo feita pelo suserano ao vassalo.
è     Direitos e deveres
Uma série de direitos e de deveres competia a suseranos e vassalos. · Suserano - dar proteção militar e prestar assistência judiciária aos seus vassalos; receber de volta o feudo, caso o vassalo morresse sem deixar herdeiros; proibir casamentos entre seus vassalos e pessoas que não lhe fossem fiéis. · Vassalo - prestar serviço militar, durante certo tempo, a seu suserano; libertar o suserano, caso ele fosse aprisionado; comparecer ao tribunal presidido pelo suserano toda vez que fosse convocado.
è     Estamentos feudais
As relações de dominação. Na sociedade feudal praticamente não existia mobilidade social dos indivíduos. Presas a uma estrutura rígida e estática, as pessoas eram agrupadas em estamentos, permanecendo por toda a vida numa determinada posição social. Os três estamentos básicos da sociedade feudal eram:
Ø      Nobreza - constituída pelos proprietários de terra, que se dedicavam essencialmente às atividades militar e administrativa. Eram os beilatores (palavra latina que significa guerreiros). Cada nobre deveria custear seu próprio equipamento e zelar pela manutenção de sua tropa de guerreiros. Em tempos de paz, as atividades favoritas da nobreza eram a caça e os violentos torneios esportivos.
Ø      Clero - constituído pelos membros da Igreja católica, destacando-se o alto clero (bispos, abades e cardeais). Eram os oratores (palavra latina que significa rezadores, aquele que reza a Deus). Desfrutando de prestígio social, o alto clero dirigia a Igreja, administrava suas propriedades e exercia grande influência política.
Ø      Servos - constituídos pela maioria da população camponesa. Eram conhecidos como servos da gleba, aqueles que estavam diretamente ligados à terra dos senhores feudais, competindo-lhes uma série de obrigações. Eles formavam o grupo dos laboratores (palavra latina que significa trabalhadores).
A Igreja católica procurava justificar essa divisão da sociedade em três estamentos básicos, como demonstram as palavras do bispo Adalberon de Laon, do século XI: Nobreza, clero e servos formam um só conjunto e não se separam. A obra de um permite o trabalho dos outros dois, e cada qual, por sua vez, presta apoio aos outros. Além desses três estamentos básicos, encontramos na sociedade feudal um reduzido número de escravos e uma população urbana constituída por pequenos mercadores e artesãos, que se dedicavam a um pequeno comércio local de troca de produtos. Porém, essa população urbana não teve influência suficiente para alterar a estrutura social estática do feudalismo, firmada nas relações de dominação entre senhor e servo.
è     Obrigações servis
Eram numerosas as obrigações que os servos deviam aos seus senhores. Tais obrigações caracterizavam as relações servis de produção, típicas do sistema feudal. Por meio dessas relações, o servo era explorado em seu trabalho, pois além de trabalhar para seu próprio sustento era obrigado a produzir um excedente econômico, destinado a atender às necessidades do senhor feudal. Vejamos os três principais grupos de obrigações impostas aos servos pelos senhores.
4      Corvéia: o trabalho gratuito Era obrigação do servo trabalhar gratuitamente alguns dias por semana nas terras exclusivas do senhor feudal. O trabalho obrigatório e gratuito do servo podia ser realizado em diversos serviços: agricultura, construção de estradas, edificação de fortificações etc.
4      Retribuições: os impostos Compreendiam as obrigações servis que podiam ser pagas em dinheiro ou em bens. Entre as retribuições podemos citar: Capitação - imposto pessoal dos servos, pago por cabeça.
4      Talha - obrigação de entregar parte da produção agrícola ao senhor.
4      Banalidades - pagamento que o servo devia ao senhor pela utilização de equipamentos e instalações do feudo. Por exemplo, ao utilizar o celeiro para guardar o trigo ou o forno para fazer o pão, o servo devia pagar o uso dessas instalações com a décima parte (dízimo) de sua produção.
4      Prestação: o dever da hospitalidade. Consistia na obrigação do servo de hospedar o senhor quando este viajasse pelos seus domínios territoriais. O dever de hospitalidade incluía moradia e alimentação durante o tempo de viagem do senhor. "A vida do servo feudal não era nada invejável. Nas estações de plantio e colheita, ele trabalhava do nascer do dia ao pôr-do-sol. Morava, em geral, numa cabana miserável, construída de varas trançadas e recobertas de barro. Um buraco no telhado de palha era a única saida para a fumaça do fogão. O piso era de terra batida, geralmente frio e encharcado pela chuva ou pela neve. A cama do servo era uma caixa cheia de palha e a cadeira um banco de três pés sem encosto (mocho). Sua alimentação, grosseira, era constituída de pão preto ou misto, algumas verduras, queijo, carne e peixe salgado. Os servos não sabiam ler nem escrever, e eram totalmente desprezados pelos nobres e habitantes das cidades. Dizia-se que eram velhacos, estúpidos, mesquinhos, vesgos e feios, que tinham nascido do esterco de burro e que o diabo não os queria no inferno porque cheiravam muito mal. Mas nem tudo era desvantagem, sofrimento ou miséria na vida do servo feudal. Ele tinha direito à posse usual da terra. Se a terra fosse vendida, ele conservava o direito de cultivar o seu lote. Quando o servo ficava muito velho ou fraco para trabalhar, era dever do senhor feudal cuidar dele até o fim de seus dias. Embora trabalhasse duro nas épocas de plantio e colheita, tinha muitos dias de folga. Em algumas partes da Europa, os dias de folga atingiam um sexto do ano. Finalmente, o servo não tinha a obrigação de prestar serviço militar."'
è     A força e a ideologia a serviço do poder
Para se impor e se preservar, todo sistema social de exploração precisa, em última instância, ser garantido por uma força física e econômica a serviço dos exploradores contra os explorados. Durante o feudalismo, as relações servis de exploração não fugiram a essa regra geral: os nobres feudais detinham a força militar, que poderia ser acionada, sempre que necessário, para conter as rebeliões dos servos. Entretanto, seria muito desgastante para qualquer sistema social explorador ter que se utilizar permanentemente da força física para se impor sobre as classes exploradas. Então, com a mesma intensidade com que exploram, esses sistemas sociais criam um conjunto de idéias e de doutrinas para "convencer" os explorados de que eles vivem dentro de um regime social aceitável, natural e justo. A esse conjunto de idéias e de doutrinas utilizadas para justificar e fortalecer o sistema social explorador dá-se o nome de ideologia das classes dominantes. Ao longo da história, toda classe dominante constrói uma ideologia cujo objetivo final é preservar o sistema social do qual ela se beneficia. Durante o predomínio do sistema feudal, a Igreja católica foi a principal instituição com a função de veicular a ideologia das classes dominantes, no caso, os senhores feudais. Na qualidade de grande proprietária de terras na Europa Ocidental, a Igreja estava diretamente interessada na defesa das relações servis. Pregava que a existência de senhores e de servos era absolutamente normal dentro de uma sociedade cristã e que os servos deviam obedecer a seus senhores. A infidelidade e a rebeldia eram pecados mortais. As palavras de um arcebispo francês da cidade de Reins demonstram essa posição da Igreja: Servos, vós deveis em todos os momentos ser submissos a vossos senhores. E não procureis, como desculpa para a desobediência, apontar que tal senhor é impiedoso ou avarento. A Igreja condena a desobediência e a rebeldia de modo geral. Assim, permanecei submissos não somente aos senhores bons e moderados, mas também aos que não o são.
è     A economia agropastoril
A auto-suficiência e a baixa produtividade dos feudos O feudo era uma das principais unidades produtoras da economia feudal. Tinha um caráter auto-suficiente, isto é, procurava produzir praticamente tudo o que necessitava em termos de consumo: cereais, carnes, leite, roupas e utensilios domésticos. Somente alguns poucos produtos vinham de fora, como os metais, utilizados na confecção de ferramentas; o sal etc. As atividades econômicas predominantes nos feudos eram a agricultura (trigo, cevada, centeio, ervilha, uva etc.) e a criação de animais (carneiros, bois, cavalos etc.). As terras dos feudos eram divididas em três grandes partes:
· Campos abertos - terras de uso comum, de onde os servos podiam recolher madeira e podiam também utilizar trechos para soltar os animais. Nesses campos, que compreendiam bosques e pastos, a posse da terra era coletiva.
· Reserva senhorial - terras que pertenciam exclusivamente ao senhor feudal. Tudo o que fosse produzido na reserva senhorial era propriedade privada do senhor.
· Manso servil ou tenência - terras utilizadas pelos servos, das quais eles retiravam seu próprio sustento e recursos para cumprir as obrigações feudais. Em conseqüência do caráter auto-suficiente dos feudos, a economia feudal reduziu sua produtividade, limitando-a às necessidades básicas e imediatas do consumo. O intercâmbio comercial sofreu um atrofiamento, sobrevivendo, apenas, como atividade marginal e semiclandestina dos que negociavam com árabes, judeus e sírios. Como não eram cristãos, árabes, judeus e sírios não temiam as proibições da Igreja referentes à usura e ao lucro.

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