sexta-feira, 13 de julho de 2012

JUSTIÇA MEDIEVAL

JUSTIÇA SEM LEIS NA IDADE MÉDIA
           O padeiro fez menos pão do que devia com a farinha que tinha recebido: poderá ser condenado à morte. O ladrão foi apanhado em flagrante: se for reincidente, com certeza terá mão cortada. O acusado esperneia e se diz inocente: será jogado numa tina cheia de água; se flutuar, seus protestos serão aceitos; entretanto, se afundar, ninguém duvidará de sua culpa.O que aos olhos do homem civilizado do século XX parece a justiça de um mundo de pesadelo, era a justiça normal de um mundo real, que começou com o desmoronamento do Império Romano e durou mais ou menos até o século XI. Estranha, absurda, cruel, a justiça da Idade Média pode, porém, ser entendida, se for examinada contra o pano de fundo da realidade européia de então.
NEM LEI, NEM JUIZES
             A justiça não existe abstratamente, desligada do modo pelo qual os homens organizam sua vida em sociedade. Cada povo, cada época tem a justiça que sabe criar. E não é questão de merecimento - trata-se apenas de evolução.De modo que, ao cair o Império Romano, foi abaixo também o corpo das leis que formavam o Direito daquela civilização. E a Europa entrou num período em que não havia leis definidas e iguais para os mesmos tipos de delitos, não havia tribunais soberanos, e não existia a função especializada de julgar - logo, não existiam juizes. Mas, naturalmente, crimes continuaram a ocorrer. E a sociedade precisava defender-se deles. Então, como puni-los? Nos primeiros tempos - na chamada Baixa Idade Média - a tarefa de julgar e proferir sentenças era confiada a uma assembléia formada pelas pessoas mais importantes do lugar. Às vezes, até um juiz era nomeado, mas tratava-se de juiz que não decidia coisa alguma - simplesmente cabia-lhe supervisionar o andamento do processo e zelar pelo bom cumprimento da sentença. Quando se firmou o regime feudal, aquelas assembléias perderam força - o direito de julgar tornou-se privilégio do senhor. E esse privilégio permitia-lhe até não exercê-lo, nomeando um substituto.

CRIME E CASTIGO

            As tradições dos povos germânicos desempenham um papel importante na justiça medieval. Uma dessas tradições - visando à defesa dos indivíduos e do grupo familiar - era a de que a vítima não precisava recorrer a um tribunal para castigar o ofensor. Se assim lhe aprouvesse, fazia ela própria a justiça, vingando-se do modo que achasse melhor. Esse procedimento, chamado faida - da palavra germânica Fehde = contenda, inimizade -, espalhou-se e se transformou em costume na Europa. Segundo a mesma tradição, o ofensor ou o réu podia esquivar-se à justiça da vítima, desde que a compensasse pagando uma taxa, tanto maior quanto mais importante a posição social do ofendido. Tal compensação tinha o nome de Wehrgeld (do germânico Wehr = defesa, e Geld = dinheiro). O rigor das penas geralmente dependia de quem ocupasse o posto de juiz e é fácil imaginar a confusão e o desassossego que o sistema devia criar. E tanto isso era verdade que, quando se desenvolveram as primeiras cidades - os burgos -, os próprios senhores feudais e os citadinos mais influentes sentiram que era necessário estabelecer algumas leis escritas, pelas quais se pudessem julgar os mesmos delitos de acordo com um mesmo critério. Os códigos resultantes valeram-se em parte das prescrições do desaparecido Direito Romano, somadas aos costumes que regulavam a vida entre os povos germânicos.

O JUÍZO DE DEUS
                O que fazia um juiz não estando convencido de que o réu era mesmo o culpado? Muito simples: entregava a questão a Deus. Esperava-se que o juízo de Deus se manifestasse numa dessas situações: a primeira - os rivais enfrentavam-se em duelo: quem vencer é inocente, pois a vitória é a graça divina; a segunda, chamada ordálio ('ordalium' - 'julgamento, juízo': - prova judiciária sem combate, usada na Idade Média; prova - Juízo de Deus ), o acusado deve provar sua inocência resistindo a certas provas, como o exemplo antes citado de flutuar na água. O ordálio não era brincadeira: o réu - talvez aqui fosse melhor chamá-lo de vítima - devia carregar uma barra de ferro em brasa ou mergulhar a mão numa vasilha de água fervente. Depois, enfaixava-se a mão do infeliz e esperavam-se três dias. Passado esse prazo, retiravam-se as ataduras e, se a mão não estivesse sarada, a condenação era certa. Isso é apenas um exemplo. Havia outras provas no ordálio, muito mais difíceis. E havia a compurgação: o réu podia ser absolvido simplesmente se algumas pessoas pusessem a mão no fogo - simbolicamente desta vez - por sua inocência. Mas como estimar o valor do juramento dessas pessoas? Pela quantidade de terras que possuíssem. Quanto mais terras, mais aceitável o juramento. Conclusão: a justiça medieval não era nada cega, antes pelo contrário - tinha seus olhos bem abertos à posição social dos indivíduos!!!. Muito tempo ainda passaria até que fosse implantada a idéia de que "todos são iguais perante a lei".E muito tempo ainda passaria até que a tortura deixasse de ser considerada um meio legítimo de obter a confissão de alguém. Durante toda a Idade Média, sofrimentos os mais terríveis eram impostos ao acusado de algum delito e quase sempre o infeliz - culpado ou inocente - confessava o crime - real ou fictício - só para pôr fim à tortura. Mas não se livrava da tortura da própria morte: a julgar pela variedade de penas da justiça medieval, os homens da época tinham uma imaginação diabólica. Usavam-se como formas de execução; afogamento, sufocação no barro, decapitação, fogueira, dilaceramento na roda, forca, veneno, empalação, garroteamento. E várias outras ainda, das quais algumas sobreviveram aqui e acolá até hoje.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.