segunda-feira, 26 de março de 2012

AMÉRICA COLONIAL PORTUGUESA

PERÍODO PRÉ-COLONIAL
Aspectos Gerais
O descobrimento do Brasil não despertou, pelo menos de imediato, grande entusiasmo na metrópole portuguesa. As condições naturais adversas e a aparente inexistência de gêneros comerciáveis desestimulavam qualquer interesse pela nova terra. Para o mercantilismo, doutrina orientadora do expansionismo luso, as áreas periféricas tinham um sentido estritamente comercial. De fato, o povoamento dos territórios americanos não entrava nos planos do conquistador europeu. No início do século XVI, o termo colonização significava somente a instalação de feitorias nas regiões do ultramar, encarregadas do comércio com as populações nativas. Nessa fase, a classe comercial portuguesa não cogitava de outra coisa que não fossem produtos extrativos. Por isso, a empresa ultramarina lusa , até aquele momento, limita-se a procurar fontes naturais de mercadorias, transportando-as em seguida para os mercados europeus. O grande empreendimento expansionista mercantil, portanto, não objetivava  a princípio produzir, mas trocar. O Brasil, como já dissemos, não tinha uma produção organizada suscetível de troca: o indígena produzia única e exclusivamente para  seu consumo. Mesmo a terra não proporcionava produtos que fossem de interesse dos mercadores metropolitanos. Em conseqüência, por três décadas nosso país ocupou segundo plano no panorama expansionista português. O reino tinha seus olhos voltados para o Oriente.
Inúmeras eram as diferenças fundamentais entre a América e o Levante. O Oriente apresentava estas particularidades: população densa e fixa, civilização complexa e adiantada, imensa produção de excedentes, longa experiência com atividades comerciais e forma de produção semifeudal.
A América, contrariamente, possuía as seguintes características: população reduzida e seminômade, grupos indígenas vivendo na fase da pedra lascada, economia de subsistência, total ausência de comércio, comunidade primitiva de trabalho.
Em breve, o mercantilismo português achou algo para satisfazer, pelo menos em parte, suas ambições: o pau-brasil, um tipo de madeira  semelhante à que os mercadores lusos traziam da Índia, da qual se extraía uma substância corante utilizada em tinturaria. A Coroa portuguesa , após a chegada das primeiras amostras do vegetal, arrendou por um prazo de três anos a extração e o comércio da madeira tintorial a um grupo de comerciantes cristãos-novos, liderados por Fernão de Noronha. Em 1513, depois de sucessivos arrendamentos, o governo português eliminou o sistema de concessões e adotou, para o pau-brasil, o regime de livre comércio, mediante o pagamento de um quinto da carga ao Real Tesouro. No entanto, a exploração do “pau-de-tinta”,  realizada ao longo do litoral brasileiro, era de importância secundária, pois proporcionava lucros muito inferiores àqueles gerados pelo comércio oriental.
Exigindo um árduo trabalho para sua extração e embarque, o pau-brasil determinaria o surgimento das primeiras relações econômicas entre o europeu e o silvícola, as quais assumiriam a forma de escambo (troca direta). As árvores, extremamente pesadas, eram derrubadas e carregadas pelos indígenas até alguma feitoria do litoral, onde eram trocadas por quinquilharias européias.
O tráfico do pau-brasil, embora não fosse muito compensador para o negociante luso, atrairia para o nosso litoral barcos de outras nações, principalmente franceses. O contrabando da madeira, então iniciado, seria desenvolvido com o apoio direto da monarquia francesa. Na verdade, o próprio rei da França, Francisco I, ignorando as cláusulas do Tratado de Tordesilhas, proclamaria “o direito de navegar no mar de todos”.  Portugal, vendo ameaçada a posse da terra brasileira, foi obrigado a dedicar maior atenção a este lugar até então ignorado. Outro fator, entretanto, incentivaria os cuidados metropolitanos. A descoberta de minerais preciosos na América espanhola levantou a possibilidade de existirem jazidas e minas nas áreas sob domínio português. A colonização, isto é, o povoamento e a valorização econômica da terra recém-descoberta, começava a despontar como a única maneira de conservar o Brasil e, mais importante ainda, torná-lo rentável.
Além disso, durante as primeiras décadas do século XVI, alguns problemas começaram a reduzir os recursos dos cofres portugueses. Em primeiro lugar, o grande volume de especiarias introduzido nos mercados europeus provocava generalizada baixa de preços. Ademais, o comércio de especiarias com as Índias era freqüentemente interrompido por ataques corsários. Por outro lado, a nobreza de Portugal, em função dos volumosos lucros gerados pela expansão ultramarina, vivia ociosa, gastando dinheiro na compra de manufaturados ingleses e holandeses. Agravando a situação, em 1506, os judeus - que constituíam um dos mais ricos setores sociais do Reino - seriam expulsos de Portugal, fugindo para os Países Baixos. Em decorrência de todos esses fatores, cada vez maiores eram as dívidas portuguesas com os banqueiros holandeses e italianos que haviam financiado o início da aventura ultramarina. Portugal, portanto, necessitava desesperadamente de novas fontes de renda. Impunha-se, assim, a urgente colonização do Brasil.
Primeiras Expedições
Apesar do relativo desinteresse inicial português, diversas expedições de exploração e guarda-costas foram enviadas ao Brasil nas três primeiras décadas após o descobrimento. Essas expedições, de caráter oficial, rivalizavam com as frotas preparadas por comerciantes dedicados à extração do pau-brasil.
O rei D. Manuel I, o Venturoso, atendendo a uma sugestão de Pedro Álvares Cabral, armou três navios para melhor explorar o território brasileiro. Não se sabe, com certeza, a quem competiu o comando da pequena esquadra. Três são os nomes apontados: Nuno Manuel, André Gonçalves e Gaspar de Lemos. Modernamente, é mais aceita a hipótese  de o comando ter sido entregue a Gaspar de Lemos, o capitão de Cabral que, partindo da Bahia, levara a Portugal a notícia da descoberta.
A flotilha partiu de Lisboa em março de 1501, atravessando o Atlântico “debaixo de tempestades”,  de acordo com o depoimento de um ilustre membro da tripulação, Américo Vespúcio. A expedição desembarcou na região do Rio Grande do Norte, dando então início à sua tarefa exploratória. Ao longo da costa brasileira, avistou e batizou diversos pontos litorâneos , de acordo com o santo do dia e as festividades religiosas marcadas no calendário.  Assim, foram conhecidos e denominados, entre outros, o cabo de São Roque, o rio São Miguel, a baía de Todos os Santos e o porto de São Vicente. Em seguida, a pequena expedição chegou até a entrada do rio da Prata, daí retornando para Portugal.
A segunda missão exploradora mandada pelo Reino ao Brasil provocaria inúmeras controvérsias. Conforme a Lettera a Soderni, duvidoso documento cuja autoria é atribuída a Vespúcio, seis navios tomaram parte na expedição. Esta, ainda segundo Vespúcio, partiu do Tejo em junho de 1503, atingindo dois meses depois a ilha atualmente denominada Fernando de Noronha. Neste local, dois navios separaram-se do resto da frota e, sob o comando do próprio Vespúcio, chegaram a Cabo Frio (onde fundaram um entreposto fortificado). Muitos historiadores, contudo, negam a veracidade das informações prestadas pelo navegador italiano, afirmando que o comandante da segunda expedição foi Gonçalo Coelho, escrivão da Real Fazenda. Segundo esses especialistas, Gonçalo teria chegado ao Rio de Janeiro, fundando aí uma feitoria para armazenar pau-brasil.
A existência de pau-brasil, como ressaltamos, atraiu a presença de contrabandistas franceses ao nosso litoral. Os soberanos lusos, por diversas vezes, protestaram junto aos reis da França, Luís XII e Francisco I. As reclamações , no entanto, não surtiram o desejado efeito. Por essa razão, o trono luso resolveu enviar para as terras brasileiras esquadras defensivas ou guarda-costas. O comandante dessas missões foi Cristóvão Jacques que, entre 1515 e 1519 e de 1526 a 1528, navegou ao longo da costa brasileira, combatendo os franceses e tomando-lhes grande número de feitorias. Apesar da repressão, os contrabandistas estrangeiros continuaram a freqüentar o litoral do Brasil. Portugal seria forçado a tomar medidas mais radicais: a primeira delas foi o envio da importante expedição de Martim Afonso de Souza, que daria início à colonização.
A missão de Martim Afonso de Souza, enviada pelo rei  D. João III em 1530, recebeu uma tríplice incumbência:
·                        explorar o litoral brasileiro, do Maranhão ao rio da Prata
·                        combater a presença francesa
·                        estabelecer núcleos de povoamento, dotados de caráter político-administrativo
Para atingir esses objetivos, Martim Afonso, fidalgo português, recebeu plenos poderes, consignados em três cartas régias. Pela primeira, era nomeado capitão-mor da armada e de todas as terras que descobrisse, podendo delas tomar posse, nomear autoridades e delegar poderes. A segunda outorgava-lhe a capacidade de nomear tabeliões e oficiais de justiça. Finalmente, a terceira conferia a Martim Afonso o direito de doar “terras de sesmarias” às pessoas que levasse  e às outras que no Brasil quisessem viver.
Composta de cinco navios, a frota partiu da capital portuguesa em dezembro de 1530, chegando ao litoral pernambucano em fins de janeiro seguinte. Imediatamente deu início à sua missão de guarda-costas, perseguindo alguns navios franceses. Em seguida, dirigiu-se para a baía de Todos os Santos. Neste local foi encontrado, vivendo com indígenas, o português Diogo Álvares - chamado Caramuru pelos nativos -, que  havia vinte e dois anos ali chegara, como náufrago ou degredado. Posteriormente, a flotilha encaminhou-se para o sul, chegando ao Rio de Janeiro, onde permaneceu três meses. Em agosto de 1531, Martim Afonso continuou a viagem, rumando para o rio da Prata. Decidiu então que era tempo de regressar ao Brasil, deixando seu irmão Pero Lopes prosseguir no reconhecimento da região platina. Em  Janeiro de 1532, ao abrigar-se no porto de São Vicente, Martim Afonso daria início  à tarefa propriamente colonizatória, sem dúvida a mais importante parte de sua missão.
Inaugurando sua ação administrativa, Martim Afonso distribuiu sesmarias a todos que manifestaram desejo de permanecer no Brasil. Depois ordenou a fundação de duas vilas: a primeira, São Vicente, na ilha do mesmo nome, e a segunda à margem do rio Piratininga. Tomadas essas providências, Martim Afonso montou uma modesta estrutura administrativa, buscando incentivar as primeiras atividades sociais e religiosas desses núcleos pioneiros de povoamento. Em setembro de 1532, quando ainda prosseguia em sua missão colonizatória, recebeu uma carta de D. João III, na qual o monarca solicitava seu regresso. Em março do ano seguinte, deixando no governo da vila de São Vicente o padre Gonçalves Monteiro, Martim Afonso de Souza retornou à pátria.
INÍCIO DA COLONIZAÇÃO
Como já assinalamos, a Coroa e o capital comercial portugueses, interessados em preservar a conquista ultramarina americana, depararam-se com a necessidade de colonizar as novas terras. De 1500 a 1530,  o Brasil fora objeto de um tratamento secundário por parte do trono lusitano. Na realidade, nessa fase inicial, limitara-se a policiar o litoral brasileiro, visando assegurar os direitos metropolitanos sobre a exploração do pau-brasil. Dessa forma, os primeiros momentos de nossa história foram quase totalmente dominados pela iniciativa privada  de mercadores e concessionários da exportação daquela riqueza vegetal. Das frotas ou navios particulares, partiram às vezes expedições de penetração, que resultavam infrutíferas. Ao longo da costa brasileira, em lugares propícios, foram implantadas feitorias. Nelas, no entanto,  não havia qualquer esforço de colonização e povoamento dotado de continuidade e estabilidade. Tratava-se, portanto, de um simples apossamento de locais e não de regiões. Ora, a mera instalação de entrepostos litorâneos não assegurava a manutenção de uma área tão extensa e vulnerável. Os recursos exigidos para sua defesa estavam além das possibilidades da monarquia portuguesa. Assim tornava-se imperativo povoar: ocupar o imenso território brasileiro pela transferência de contingentes populacionais, pela presença aqui de colonos encarregados da instalação de sistemas produtores, destinado a gerar lucros para a metrópole, e simultaneamente, assegurar a subsistência dos primeiros povoadores da colônia.
Dessa forma, o empreendimento colonizador não se tornaria um fardo para a Coroa, mas antes um reforço econômico.
Sabemos que a colonização jamais estivera nos propósitos da expansão ultramarina de  cunho mercantilista.  Esta fora implantada especificamente para a troca. O comerciante europeu, ao buscar as áreas periféricas, sempre procurava zonas já dotadas de sistemas produtores. De fato, em seus primeiros momentos, o mercantilismo não objetivava produzir, e muito menos no ultramar.  Seu interesse primordial era  trocar os produtos de outrem. Até então, o mercador europeu limitara-se a levar para o Oriente gêneros produzidos na Europa, e vice-versa, segundo a demanda dos respectivos mercados consumidores. Na América, surgiria o grave problema: não se desenvolvera uma produção local e, também, inexistiam mercados para os produtos europeus. Portanto, não havia lugar para o comércio intermediário, atividade que até aquele momento definira a expansão mercantilista.
A colonização apresentava-se, pois, como uma tarefa quase impossível, já que a realidade econômica lusitana não estava preparada para leva-la a cabo. Efetivamente, a ocupação e valorização das áreas americanas deviam aparecer, no cenário da época, como empresas bastante difíceis. Em primeiro lugar, era necessário atrair povoadores. Nesse sentido, pelo menos no século XVI, os obstáculos foram tão grandes que levaram Portugal, ainda nos momentos iniciais do esforço colonizatório, a fazer do Brasil o destino da maioria das degredados da Metrópole. Essa surgia como única forma de superar as barreiras à transplantação de contingentes humanos para uma terra que oferecia desfavoráveis perspectivas de vida. Tal solução, como é óbvio, não era suficiente para possibilitar o gigantesco empreendimento da colonização. Havia ainda outras dificuldades: as árduas condições de trabalho numa colônia tropical, ao lado das reduzidas oportunidades de enriquecimento numa região aparentemente estéril. Esses obstáculos poderiam ser vencidos mediante uma alta remuneração do trabalho aqui realizado, se fosse viável a introdução de mão-de-obra assalariada numa área colonial. Com efeito, a própria estrutura do mercantilismo impedia a implantação do trabalho livre em território brasileiro.  Toda produção colonial, como já foi visto, era voltada para os mercados europeus. Assim, as zonas produtoras periféricas tinham finalidade de acelerar o processo de acumulação de capital em mão da burguesia mercantil metropolitana.
A adoção de um regime de altos salários levaria inevitavelmente à criação de um próspero mercado interno nas regiões  coloniais. Isso faria com que boa parte da população dessas áreas se dedicasse, com exclusividade, à produção de gêneros de consumo estritamente local. Logo, em função da existência de sistemas produtores coloniais orientados para seus próprios mercados, um amplo setor da sociedade colonial conheceria um crescente processo de enriquecimento. Dessa forma, considerável fração da renda gerada pelas estruturas produtivas periféricas permaneceria na colônia, escapando assim aos mecanismos de apropriação metropolitanos. Como é fácil perceber, a existência de uma economia colonial baseada no trabalho livre entraria em franca contradição com as diretrizes mercantilistas. Além disso, os altos custos de uma produção sob o regime de assalariamento encareceriam os gêneros coloniais, já sobrecarregados pelos pesados fretes da época.
Embora a instalação de um sistema produtor no Brasil exigisse um apreciável dispêndio,  dois fatores  contribuiriam para facilitá-la. Por um lado, nosso país oferecia larga disponibilidade de terras livres de qualquer apropriação. Por outro, se a implantação de uma zona produtora do tipo colonial no Brasil dependia fundamentalmente da mão-de-obra, o tráfico negreiro já constituía, no início do século  XVI, uma empresa organizada capaz de satisfazer essa necessidade, interessada que estava em ampliar seu raio de ação. Podemos mesmo dizer que o comércio de africanos era um dos principais setores de operação do mercantilismo português em conseqüência de exigir no Reino uma zona fornecedora de escravos e a produção açucareira das ilhas atlânticas manter-se à base do braço negro.
Na verdade, a solução do problema da mão-de-obra deveria levar em conta os seguintes aspectos:
·                        a colonização não tinha condições para se apoiar no trabalho assalariado, pelo alto custo que acarretaria à produção e por total incompatibilidade do regime de trabalho livre com as normas mercantilistas.
·                        a colonização poderia cogitar do emprego da força de  trabalho existente na colônia brasileira, os indígenas, embora estes não fossem numerosos e agrupados.
·                        a colonização encontraria no tráfico negreiro a resposta natural para o problema da mão-de-obra, pois o sistema escravista determinaria o deslocamento de enormes levas de africanos para o Brasil.
A utilização do indígena como braço escravo, acalentada pelos que conheciam as relações cordiais entre europeus e nativos no período pré-colonial, mostrou na prática sua inviabilidade para a produção em grande escala. No momento em que os lucros gerados pela exploração colonial atingiram um nível compatível com a compra de escravos africanos, o tráfico representou a grande solução para a carência de mão-de-obra. Esse regime de trabalho marcaria, desde cedo, o tipo de produção aqui estabelecido, definindo os traços básicos da empresa de colonização do Brasil.
MONTAGEM DA EMPRESA AÇUCAREIRA
A Coroa e o capital mercantilista portugueses, após três décadas de quase total desinteresse pelas terras americanas, depararam-se com a necessidade de colonizar o Brasil.
Como vimos em lições anteriores, de 1500 a 1530, a presença lusitana em nosso país limitara-se à ocupação de alguns pontos do litoral. Frustradas as primeiras tentativas de descoberta de metais preciosos em território brasileiro, Portugal passou a procurar uma forma original para valorizar economicamente sua possessão americana. Somente desta maneira seria possível cobrir os gastos com a defesa das terras recém-descobertas.
As medidas então tomadas pelo Trono luso levaram ao início da exploração agrícola do solo brasileiro, acontecimento de extraordinária importância para a história das Américas.  Deixando de ser o objeto de mera empresa extrativa e espoliativa idêntica à que, na mesma época, estava sendo levada a efeito na África e na Índia, o Novo Mundo passou a participar da economia produtora européia, cuja tecnologia e capitais aqui foram aplicados para que se criasse um fluxo permanente de bens destinados aos mercados do Velho Mundo.
A exploração econômica do território americano parecia, no início do século XVI, um empreendimento totalmente irrealizável. Nessa época, nenhum gênero agrícola conhecia ampla comercialização dentro da Europa. O principal produto da terra - o trigo - era abundante no interior do próprio continente, o que tornava sua importação desnecessária. Além disso, os fretes eram tão elevados - em virtude dos riscos que envolviam o transporte a longa distância - que somente os produtos manufaturados e as especiarias orientais podiam comportá-los. E mais: nenhum empresário  europeu desconhecia  os enormes custos de um empreendimento agrícola nas longínquas terras da América.
Pressionados pela necessidade de colonização do Brasil, os portugueses foram os pioneiros na instalação de sistemas produtores agrários em território americano. Realmente, se seus esforços não tivessem sido coroados de êxito, a defesa das terras brasileiras ter-se-ia transformado em ônus extremamente pesado, e Portugal não teria perdurado como grande potência colonial no Novo Mundo.
A colonização do Brasil, em seus momentos iniciais, consistiu, basicamente, na montagem de um sistema produtor de açúcar. Os portugueses, nessa época, já eram os maiores produtores mundiais dessa apreciada especiaria. Assim, aproveitando sua experiência açucareira nas ilhas atlânticas, Portugal implantou em nosso país uma solução semelhante, o que, além de propiciar a solução de inúmeros problemas técnicos relacionados com a produção de açúcar, fomentou o desenvolvimento em Portugal de uma indústria de equipamentos para os engenhos.
Contudo, a maior vantagem do empreendimento açucareiro português ocorreu no campo comercial. Numa primeira fase, o açúcar lusitano entrou nos tradicionais canais de troca, controlados pelos mercadores das cidades italianas. Nas últimas décadas do século XV, porém, o produto sofreu sensível baixa de preço, indicando que as redes comerciais dominadas pela burguesia da orla mediterrânea não se ampliaram na medida requerida pela expansão da produção açucareira. Por outro lado, houve também nesse período uma crise de superprodução, pois dentro dos estreitos limites mercantis estabelecidos pelos negociantes da Península Itálica, o açúcar não podia ser  absorvido senão em escala relativamente limitada.
Mas, sem dúvida, a principal conseqüência da entrada da produção portuguesa no mercado foi a ruptura do monopólio de acesso às fontes de produção, mantido até então pelos venezianos. Assim, desde cedo, o açúcar lusitano passou também a ser encaminhado para Flandres, e, em 1496, quando a coroa portuguesa, em função da baixa do preço, decidiu restringir a produção, quase metade desta já era enviada para os portos flamengos.
Apesar da experiência colhida nas ilhas atlânticas e da crescente diversificação dos mercados receptores do açúcar português, a instalação de um sistema agrícola produtivo no Brasil tornou-se um problema de difícil resolução, uma vez que deveria ser superada uma série de obstáculos, a saber:
·                        a escolha de um produto adequado às condições ecológicas da América.
·                        a escolha de um gênero de fácil aceitação no mercado europeu.
·                        resolução do problema da mão-de-obra.
·                        resolução do problema do investimento inicial.
·                        resolução do problema do transporte.
·                        resolução do problema do aumento do mercado consumidor.
Podemos, pois, facilmente constatar que somente o açúcar poderia superar a maioria desses obstáculos, uma vez que era o único produto que reunia as seguintes vantagens:
·                        era adequado à ecologia americana.
·                        seu consumo era tradicional na Europa.
·                        era capaz de atrair recursos externos para o investimento inicial.
·                        estava incorporado à experiência lusitana de comércio e produção.
·                        possibilitava, graças ao interesse europeu, o aumento da área de consumo.
Estrutura da Agroindústria Açucareira
A contribuição do capital mercantil holandês para a expansão do mercado açucareiro europeu no século XVI foi o fator fundamental para o êxito do processo de colonização do Brasil. Especializado no comércio intra-europeu, a maior parte do qual  financiava, o povo flamengo era o único que possuía recursos e uma organização comercial suficientemente sofisticada para criar um mercado de grandes dimensões para o açúcar brasileiro.
Até o século XVI, época em que o açúcar brasileiro apareceu nos mercados mundiais, este gênero mantinha ainda algumas das características de especiaria: peso reduzido, volume pequeno, alto valor unitário e consumo diminuto. Como já ressaltamos, a produção portuguesa nas ilhas do Atlântico permitiu a primeira ampliação do mercado açucareiro, levando o produto a uma queda de preço. E como , também assinalamos, os holandeses começavam a exercer papel de destaque na  distribuição do açúcar lusitano. No final do século XV, porém, a expansão do mercado atingiu seu limite máximo. Sucederam-se então a crise de superprodução e a política de desestímulo aos novos plantios de cana-de-açúcar, adotada pelo Trono português. Em conseqüência, sem uma ampliação do consumo açucareiro em elevadas proporções, não seria possível a instalação de uma nova área produtora no Brasil, região ultramarina distante. Assim, o aumento do consumo de açúcar, pela criação  de novos mercados e pelo alargamento dos antigos, constituiu a tarefa específica do capital comercial holandês, durante o século XVI. E foi graças aos esforços flamengos que o açúcar perdeu sua condição de especiaria para se tornar um gênero de consumo corrente.
A contribuição holandesa para o bom andamento da colonização brasileira não se limitou ao aspecto comercial. Sabemos que uma grande parte dos capitais necessários à montagem do sistema produtor açucareiro em nosso país proveio dos Países Baixos: os capitalistas holandeses participaram não só do financiamento das instalações produtivas no Brasil, como da importação de mão-de-obra escrava. Realmente, não bastava a experiência técnica dos portugueses na produção de açúcar,  foi necessária a capacidade comercial e o poder financeiro dos holandeses para tornar viável o empreendimento colonizador agrícola das terras do Brasil. Fundamentalmente, existia o problema da mão-de-obra: transportá-la da Europa na quantidade necessária teria requerido um volume enorme de investimentos que, com certeza, tornaria antieconômica toda a empresa. Como as condições de trabalho aqui reinantes eram precárias, somente pagando salários bem mais altos do que os pagos no Velho Mundo seria possível atrair mão-de-obra européia. E, de  qualquer forma isso não seria conveniente, pois geraria um mercado interno na colônia, o que sabotaria o processo de acumulação de capital das burguesias metropolitanas, contrariando os postulados mercantilistas. Por último, havia a considerar ainda a carência de oferta de mão-de-obra, que prevalecia em Portugal, em função do novo comércio com o subcontinente indiano.
O problema da mão-de-obra não foi, contudo, para Portugal, de difícil solução:  no início do século XVI, os portugueses dominavam o mercado africano de escravos. As operações militares para a preação de negros, iniciadas nos tempos do infante D. Henrique, transformaram-se num bem organizado e lucrativo escambo (troca direta), que abasteceria inúmeras regiões européias de mão-de-obra escrava. Mediante recursos suficientes, seria possível ampliar esse negócio e transferir para o Brasil uma força de trabalho barata, sem a qual a nova colônia agrícola seria economicamente inviável
Também no tocante ao transporte, Portugal encontrava-se desaparelhado para enfrentar o gigantesco esforço da colonização do Brasil.  A construção naval, pela sua extrema especialização, era realizada na metrópole, sob o regime de trabalho assalariado. Em conseqüência, o progressivo declínio do capital comercial português, vitimado pela concorrência  estrangeira,  provocaria o colapso da produção de navios. Com efeito, os operários e artífices navais lusitanos, muito procurados por todos os fabricantes de embarcações , passaram a buscar no exterior melhores oportunidades de emprego e salários mais elevados.  Em Portugal,  também era clara a deficiência em material de navegação. As perdas em combate - para a conquista ou manutenção de mercados orientais - e as longas e difíceis viagens nas rotas de Levante desgastaram profundamente a marinha lusitana. Além disso, a cada dia mais faltavam peças e outros materiais de reposição, em conseqüência de evasão de capital português para outras áreas européias, notadamente a Holanda. Pouco a pouco, a distribuição de açúcar no mercado europeu foi passando às mãos de armadores holandeses. Simultaneamente, em Portugal, as frotas particulares eram substituídas por mistas, compostas de navios privados e  embarcações oficiais. Em breve, a presença lusa no oceano limitou-se aos barcos pertencentes à Coroa. Completando a decadência, a marinha holandesa passou a fazer, quase com total exclusividade, o transporte de açúcar entre as ilhas do Atlântico e a metrópole portuguesa.
As rotas da América ao Velho Mundo exigiram um esforço no transporte muito maior do que as travessias das ilhas à Europa. A presença hegemônica  dos flamengos na distribuição do açúcar português dos Açores e da Madeira marcou a progressiva transferência da primazia marítima de Portugal para a Holanda. Ainda mais grave que isso, representou também a progressiva drenagem do capital comercial luso para os Países Baixos.
A colonização agrícola do Brasil somente foi viável graças à ajuda naval holandesa. O problema do transporte para a colônia americana foi resolvido pela associação de navios holandeses e barcos portugueses. Isso acelerou o processo de descapitalização de Portugal, pois a Holanda, além de distribuir o açúcar brasileiro, também o transportava, participando dessa maneira do lucro dos fretes.  
Cada um dos problemas referidos - técnica de produção, criação e ampliação de mercados, financiamento inicial, mão-de-obra e transporte - pode ser resolvido no tempo oportuno, independentemente da existência de um plano geral preestabelecido. O importante é que houve uma série de circunstâncias favoráveis, sem as quais a colonização do Brasil não teria conhecido o enorme êxito que alcançou. Não resta dúvida que por trás de tudo estavam o desejo e o empenho do Trono português de conservar a parte das terras que lhe cabia na América, ao lado da sede de lucros imediatos da burguesia mercantil lusitana. No entanto, esses desejos e ambições só se transformariam em política atuante se encontrassem uma base de apoio concreta. Caso a defesa dos novos territórios houvesse permanecido por muito tempo como uma carga financeira para Portugal, o interesse pelo Brasil tenderia a declinar.
O êxito da grande empresa agrícola do século XVI constituiu, portanto, a razão de ser da continuidade da presença dos portugueses em uma grande extensão das terras americanas.
Em  Portugal, quando se apresentou o problema da colonização do Brasil, travava-se de um grande conflito em torno da apropriação dos lucros da expansão ultramarina. Tratava-se de saber a quem caberiam as rendas geradas pela exploração do Oriente. No decorrer dessa luta, verificaram-se a derrota e a progressiva e acelerada decadência da burguesia mercantil,  cujo papel fora decisivo no período da autonomia portuguesa  e ainda mais na fase inicial das grandes navegações. Sem base política, o grupo mercantil foi sendo alijado da posição privilegiada que por muito tempo ocupara.
O antigo afluxo de capital, de elementos humanos e de tecnologia para o Reino foi substituído por um refluxo. Os recursos que até então eram aplicados em Portugal e que aí se estabeleceram, numa terra de largas perspectivas, começaram a se transferir para outras áreas, onde as possibilidades de desenvolvimento eram mais amplas.
Foi nesse cenário de declínio e exaustão que se apresentou, em Portugal, o problema do investimento inicial para a colonização do Brasil. Quem realizaria as primeiras inversões de capital na agreste terra americana? Não seria a camada mercantil, pois carecia de recursos para isso e não se interessava pela aplicação. A nobreza  feudal?  Também não, porque os poucos fidalgos economicamente realizados estavam inteiramente voltados para a exploração oriental.
Surgiu,  assim,  o  problema da origem classista dos primeiros colonizadores do Brasil. Hoje, sabemos que esses pioneiros na ocupação e valorização econômica de nosso país eram de pequena nobreza, fidalgos com títulos pomposos, mas bolsos vazios. Sem dúvida, o esforço inicial da conquista de terras brasileiras foi levado a cabo por nobres ligados à Coroa por serviços prestados, mas não enriquecidos nesses serviços.
O Trono português logo encontrou uma forma de recrutar colonizadores para a área americana. A solução consistiu na distribuição de faixas territoriais, contadas ao longo da costa - as capitanias hereditárias - aos que  as disputassem ou aceitassem. Como base jurídica desse sistema, a Coroa transferiu poderes e privilégios majestáticos aos primeiros donatários. Entretanto, a tarefa da colonização continuava cheia de obstáculos. Tratava-se, para o capitão hereditário, de um investimento bastante oneroso, o que obrigou muitos deles a admitirem sócios. De fato, os donatários eram obrigados a fretar navios, recrutar auxiliares, enfrentar um severo período de carência - enquanto não houvesse produção estabelecida - e a satisfazer as exigências da Coroa. Em troca, esta transferia direitos. Na realidade, para governar a distância não havia outra forma senão delegar poderes e direitos.  O  importante, no entanto, é que o empreendimento dos donatários importava naquilo que a economia moderna define como investimento.
Duas características da implantação do sistema de donatários merecem um estudo mais detalhado. Preliminarmente, era uma empresa difícil, onerosa e não sedutora, que exigia a mobilização de volumosos recursos.  Muitas vezes, os  donatários eram obrigados até a vender suas propriedades, ou então a recorrer a empréstimos. Em segundo lugar, o período inicial da instalação do sistema colocava à prova os recursos amealhados pelos donatários. As antigas crônicas históricas mencionavam o fracasso da maioria das capitanias, atribuindo-o às hostilidades dos índios. Na verdade, porém, os donatários fracassavam por não terem condições de mobilizar, no investimento inicial, recursos suficientes para fazer face ao período de carência, próprio do empreendimento açucareiro.
Realmente, o açúcar era bem diferente do milho, que o indígena cultivava, planta de ciclo vegetativo curto, o que permitia o nomadismo dos contingentes humanos nativos. A cana-de-açúcar, pelo contrário, era de vegetação mais demorada, exigindo trabalhos preliminares, que alongavam o prazo entre o plantio e a colheita.
Sabemos que os primeiro colonos - os capitães donatários -  juntaram  os seus pertences, venderam o que possuíam, lançando-se a um árduo empreendimento. A doação principal que a Coroa fazia era a da terra, e havia terra de sobra. Realmente, é fácil verificar que, na época, a propriedade do solo da colônia carecia de importância. Não havia semelhança alguma entre o papel que a terra desempenhou, no Brasil do século XVI,  e o que ela exercia na Europa daquele tempo.
A característica básica do solo brasileiro, na fase inicial da colonização, era a ausência de posse anterior. Fundamentalmente, a terra não funcionava como propriedade imobiliária. Não impunha restrições ao emprego de capital ou de trabalho, ou seja, não influenciava os  preços daquilo que nela era produzido, nem condicionava, portanto, as rendas por ela proporcionadas. Nesse período, a terra, por si só, nada significava. Só começaria a representar alguma coisa, a ter função, a partir do instante em que se tornasse objeto do trabalho humano. Em suma, o valor imobiliário da terra brasileira iria depender da instalação de um sistema colonial de produção.
Ciente de que só  a colonização garantia a posse política das terras brasileiras, a Coroa lusitana tentou despertar o interesse do capital privado para a árdua empresa de conquista e valorização econômica de seu território americano. Ao contrário das Índias - onde já existiam sistemas produtivos e mercados prósperos - o Brasil, cujos habitantes viviam num estágio primitivo de civilização, nada oferecia às ambições imediatistas do mercantilismo português.
Para tornar rentável o processo colonizatório de  suas possessões na América, Portugal precisaria montar, preliminarmente, uma estrutura produtora de gêneros agrícolas. Isto porque, em nosso país, a única forma possível de exploração econômica viria a ser o cultivo do solo. Por isso, o Reino procurou, desde o início, dar à colonização brasileira uma orientação adequada à necessidade de aqui se  implantar um núcleo civilizacional baseado na produção agrária. Por exemplo: o Rei investiu Martim Afonso de Souza , em sua expedição pioneira de 1530, e, pouco depois, os donatários, do direito de conceder sesmarias às pessoas interessadas em “fazer lavoura”.
A doação de sesmarias não era uma forma genérica de transferência de terras: estava subordinada a uma estrita regulamentação jurídica. O sesmeiro tinha pleno direito de propriedade sobre seu lote, com algumas restrições, tais como os estancos (monopólios reais) e as servidões públicas de águas. Além disso, era obrigado a pagar os tributos devidos à Ordem de Nosso Senhor Jesus Cristo, organismo encarregado da expansão marítimo-comercial portuguesa.
As terras concedidas em sesmarias, segundo a livre vontade de seus proprietários, podiam ser alienadas ou transmitidas a herdeiros. O dono da sesmaria, no entanto, tinha a obrigação de aproveitá-la economicamente dentro de um prazo determinado. Esta disposição legal fazia parte das Ordenações Manuelinas  (livro IV, página 67). A violação deste estatuto acarretava a perda da propriedade e o pagamento de uma multa em dinheiro.
A coroa não doava sesmarias indiscriminadamente a todos os interessados na posse de terras. Na realidade, só se concediam sesmarias “a quem pudesse cultivar”,  isto é, aos que comprovassem possuir os recursos necessários à tarefa de exploração econômica  do solo.
Ao se examinar a legislação portuguesa  que regulamentou a montagem da colonização do Brasil, verifica-se que seu significado básico não repousava na amplitude  dos poderes delegados ou transferidos aos donatários ou aos colonos. Pode-se encontrá-lo, ao contrário, na forma estabelecida para a implantação da propriedade privada no território da colônia, elemento gerador das primeiras diferenciações classistas  em nosso país:
·                        a Coroa só doava terras a quem tivesse recursos para cultivá-la.
·                        só se outorgava o privilégio de montar engenhos a quem estivesse em condições financeiras de fazê-lo funcionar.
Percebe-se assim, no início do processo de colonização, uma clara tendência discriminatória, que caracterizaria todo o empreendimento e determinaria o tipo de sociedade da zona açucareira, por exemplo: a necessidade de um investimento inicial impossibilitaria a participação  na empresa colonizatória de cidadãos metropolitanos desprovidos de fortuna.  A própria distribuição da terra obedeceu a um critério seletivo. Além disso, acentuando o caráter elitista da colonização, a montagem e a operação dos engenhos também se tornariam privilégios reservados a poucos reinóis.
Esse conjunto de fatores contribuiu para que se formasse no Brasil  uma sociedade aristocrática, na qual o valor do trabalho diminuiu em função da  importância social que o direito de propriedade conferia aos poucos cidadãos que o possuíam.
Portanto, no Brasil Colônia não se levava em conta a origem de classe dos primeiros povoadores, e sim a posição de proprietários por eles ocupada: ela os transformava em aristocratas, independentemente de sua procedência classista.
As limitações impostas à capacidade de operar os engenhos revelam a tendência para a concentração de poder econômico que caracterizou o processo da colonização. Nesses momentos iniciais da história brasileira, a operação de uma unidade produtora açucareira dependia das seguintes condições:
·                        localização.
·                        qualidade do solo.
·                        prazo de carência.
·                        força de trabalho.
·                        beneficiamento.
As condições de  localização dos engenhos exerceram considerável influência na montagem do sistema da exploração agrícola brasileiro. Entre duas sesmarias considerava-se mais valiosa aquela que estivesse próxima ou tivesse maior facilidade de acesso ao litoral.
Frei Vicente do Salvador, no início do século XVII, dizia que os portugueses, no Brasil, “arranhavam o litoral como caranguejos”. Os colonizadores receavam afastar-se da orla litorânea devido à extrema precariedade das técnicas de transporte utilizadas na época.  Estabelecer-se  e operar perto do litoral, nesse sistema econômico em que a produção se destinava exclusivamente aos mercados externos, tornou-se imperativo. As terras próximas ao mar ou com fácil acesso  a  ele (por rios navegáveis,  por exemplo)  foram objeto de apropriação privilegiada, desde os primórdios da colonização do Brasil.
A qualidade do solo determinou outro nível de desigualdade nas concessões das sesmarias. Os canaviais nordestinos normalmente acompanharam as várzeas férteis dos rios,
 nas regiões onde predominava o massapé, tipo de solo adequado à lavoura açucareira.
Para implantar a agricultura e transformar a cana em açúcar, os donatários viram-se  obrigados a desmatar suas propriedades e a procurar água corrente e solo apropriado, a fim de garantir um bom rendimento nas safras.
O prazo de carência, que vigorava a partir do investimento inicial, eliminou muitos concorrentes à empresa açucareira. Para os que conseguiam superar esse período, o empreendimento evoluía para uma situação de rotina.
Nos primeiros anos, no entanto, enfrentavam obstáculos por vezes intransponíveis. As unidades produtoras de pequenas dimensões não tinham condições de se manter: para tornar rentável a produção de gêneros agrícolas nessa área periférica do Brasil era indispensável uma sólida e ampla organização.
A possibilidade de se beneficiar a cana-de-açúcar  acentuava a tendência discriminatória e elitista inerente ao sistema de colonização implantado na colônia. Mesmo que houvesse igualdade de condições   entre os sesmeiros e que todos, superado o prazo de carência, se tornassem proprietários de canaviais em plena produção, logo surgiria a diferença  entre os que se mantinham apenas como agricultores e aqueles que a esta condição acrescentavam a de senhores ou donos de engenho.
Nos momentos iniciais da colonização, algumas pessoas se dedicaram apenas à agricultura.  Seu trabalho praticamente terminava com a colheita: entregavam a cana - paga em espécie - aos senhores de engenho, que a transformavam em açúcar.  A  igualdade que existia entre ambos no plano social não subsistia, pois, no plano econômico.
Progressivamente os simples plantadores (que não possuíam engenho) subordinaram-se aos senhores de engenho. Após lhe entregarem a safra acabaram por lhes ceder a própria terra. Só se mantinha o sesmeiro que tivesse condições de dominar a unidade produtora  de modo completo, isto é, que possuísse os canaviais e o engenho. Isto levou à concentração da propriedade, à aristocratização e ao desaparecimento dos plantadores independentes. Logo se definiram as linhas mestras da estrutura de produção açucareira:
·                        grandes propriedades (“plantation”).
·                        regime escravista de produção.
·                        modo de  produção tipo colonial.
A economia colonial, que teve como origem jurídica o regime de concessão de sesmarias, baseou-se na grande exploração agrária. Nos momentos iniciais do processo colonizatório, a  pequena propriedade - o minifúndio,  apoiado no trabalho individual do pequeno agricultor - não teve condições para se desenvolver. Inúmeros obstáculos impediram a formação, em nosso país, de uma comunidade de pequenos proprietários:
·                        o trabalho livre de pequenos agricultores autônomos, cultivando suas próprias terras, não possibilitava o desbravamento de um território virgem e de penetração extremamente difícil.
·                        a existência de minifúndios entrava em contradição com o caráter mercantilista da empresa colonizatória (o propósito real do esforço de colonização era a montagem de zonas produtoras de gêneros primários para os mercados externos.  A  pequena propriedade, em função de seus recursos limitados, acarretaria, inevitavelmente, uma produção orientada para a subsistência dos próprios lavradores. Isto significaria a negação radical da finalidade do antigo sistema colonial: a acumulação de capital das economias centrais e metropolitanas).
·                        os pequenos proprietários não dispunham de recursos suficientes (a instalação de um engenho de açúcar - equipamento técnico indispensável ao sucesso da colonização - exigia um volume de capital inacessível ao pequeno lavrador).
·                        não havia mercados para o pequeno produtor (o simples lavrador não atingia o mercado externo, ao qual se destinava a produção açucareira; o mercado interno no Brasil  Colônia quase não existia, principalmente  porque o latifúndio , a grande unidade econômica dos tempos coloniais, produzia o necessário para seu consumo interno, pouco dependendo de fornecimentos exteriores).
·                        as tribos indígenas eram hostis (o latifúndio dispunha de recursos para formar um forte contingente de homens armados que o defendessem contra os ataques dos selvagens; a pequena propriedade, ao contrário, era presa fácil para os índios).
·                        o latifúndio sufocou o pequeno lavrador (a pequena propriedade praticamente sucumbiu à guerra sem quartel levada a efeito contra os pequenos produtores pelos latifundiários. Quando não atacados diretamente, os minifundiários eram vítimas de uma legislação opressora e discriminatória, totalmente favorável à “plantation”. Diversos entraves legais impediam os lavradores independentes de se voltarem para tipos de produção ao alcance de seus diminutos recursos, por exemplo: a fabricação de aguardente exigia, apenas, molinetes ou engenhos de baixo custo. Como tal produção desfalcasse os grandes engenhos da cana de que necessitavam, as autoridades metropolitanas e coloniais impediram e até proibiram a fabricação de “pinga” ).
Aos poucos, o latifúndio eliminou a pequena propriedade e tornou-se a base da colonização do Brasil. A “plantation” foi o único núcleo real da vida econômica da colônia.  Praticamente inexistiu,  pelo menos no primeiro século da  ocupação e valorização do Brasil, qualquer tipo de produção urbana. A indústria e o comércio, atividades características das economias citadinas,  dependiam da exploração do solo. Modestos mascates ambulantes, que percorriam os latifúndios em busca de  pouquíssimos,  fregueses,  efetuaram as transações comerciais.
As olarias, carpintarias, serrarias e outras produções do tipo industrial concentravam-se,  em escala reduzida,  nas própria áreas das grandes fazendas. Os centros urbanos do Brasil Colônia, meros prolongamentos da vida rural, eram pequenas vilas. Seus habitantes, quase sempre, eram gente do campo que nelas fixava residência temporária.
Ao empresar a instalação de uma zona produtora no Brasil, o mercantilismo conheceu uma nova fase de seu desenvolvimento. Nesse instante, o capital comercial assumiu uma dupla função: tornou-se produtor, conservando, entretanto, seu caráter original de controlador da circulação de mercadorias e capitais.
O sentido mercantilista do empreendimento colonizatório definiria os aspectos essenciais do esquema produtor implantado na colônia. Na verdade, pode-se caracterizar a “plantation” como o modo de produção típico de áreas periféricas submetidas às normas do antigo sistema colonial.
Objetivo Exportador
A produção colonial, voltada para os mercados europeus, visava complementar as economias metropolitanas e acelerar a açu­mulação de capital em mãos do grupo mercantil  lusitano.
Latifúndio
Como a meta básica da produção colonial era suprir a demanda externa, só interessava ao capital comercial a exploração agrícola em grande escala.
Monocultura
As zonas produtoras coloniais dedicavam-se à elaboração de um só produto. Como o capital comercial se interessava, no Brasil, apenas pela venda de açúcar em grandes quantidades, os investimentos realizados na colônia não podiam fomentar, de maneira dispersiva, várias atividades agrícolas. Dessa forma, o mercantilismo,  no início dos Tempos  Modernos, criou uma verdadeira divisão mundial do trabalho, reservando a cada área periférica a exclusividade na produção de um determinado gênero.
Escravismo
A adoção do trabalho escravo impedia a formação de um mercado interno e, conseqüentemente, o surgimento de um setor da população colonial voltado para a produção de artigos de consumo estritamente local.  Assim, o escravismo vedava a possibilidade das rendas geradas pelo aparelho produtor periférico permanecerem na própria colônia. Impedindo o processo de acumulação de capital no interior das regiões  coloniais, as burguesias  metropolitanas asseguraram-se a exclusividade dos lucros. Além disso, também se optou pela implantação do escravismo negro na América, devido à existência do tráfico de africanos, empreendimento comercial de alta rentabilidade. Os setores da camada mercantil européia, ligados ao comércio escravista, pressionavam para que se impusessem formas compulsórias de trabalho em todas as áreas coloniais: assim, eles continuariam desfrutando dos lucros exorbitantes proporcionados pelo tráfico negreiro. Os altos preços que o produtor colonial pagava pela “mercadoria” africana sangravam ainda mais os parcos capitais retidos na colônia, desviando-os para a Europa. O tráfico negreiro estava, assim,  inserido na própria lógica do mercantilismo, que preconizava o fortalecimento das  economias metropolitanas.
Transferência do capital gerado na área da produção para a esfera da circulação.
No período de hegemonia do capital comercial,  qualquer sistema  produtor  era montado para servir, com exclusividade,  à órbita da circulação de mercadorias. Nessa fase inicial do capitalismo moderno, era a circulação que comandava a produção.
Durante o primeiro século da colonização brasileira, reinou perfeita harmonia entre a camada dominante portuguesa e os senhores de engenho, classe dominante da colônia. No quadro da produção açucareira, os papéis estavam bem definidos: o capital comercial holandês cuidava da circulação, do latifúndio, da produção e a metrópole ocupava o pólo tributário.
Na colônia, os senhores de engenho exerciam autoridade quase absoluta. Não havia ordem pública no Brasil de então, mas somente a ordem privada, ditada por eles. As relações civis, políticas e  econômicas  desenvolviam-se na esfera do privatismo, refletindo a hegemonia do Senhor de terras e de escravos.
Ao absorver toda a economia colonial, a grande exploração  agrícola proporcionou a seus detentores  um poder político  capaz de ofuscar a própria soberania da Coroa. Nos primeiros anos de colonização,  não houve  atritos entre  ambas  porque os interesses da metrópole portuguesa coincidiam com os das camadas dominantes do Brasil. Eram elas que conquistavam territórios e os valorizavam com seu trabalho, por sua própria conta e risco. Portugal partilhava dos lucros gerados pela "plantation",  sob a forma de dízimos e dos quintos reais.
Os produtores de açúcar dominaram a estrutura da colônia por meio das Câmaras Municipais, órgãos administrativos mais atuantes do Brasil nos primórdios da colonização. O raio de ação das câmaras, inteiramente dominadas pelos “homens bons” (proprietários rurais), tornou-se bem maior, na realidade, do que o estabelecido legalmente.
Cabia-lhes fixar salários, preços de gêneros e valor das moedas. Podiam propor ou recusar tributos e montar expedições punitivas contra os silvícolas. Cuidavam da fundação de vilas e arraiais e proviam sobre o comércio e a administração pública em geral.
Algumas câmaras, as mais importantes, ignoravam as autoridades lusitanas no Brasil, pois tinham representantes permanentes em Lisboa. Conseqüentemente, embora a soberania, de direito, coubesse à Coroa, o Estado Colonial, pelo menos  em sua fase embrionária, foi,  de fato,  um instrumento dos latifundiários. Somente eles detinham o poder político da Colônia.  Por isso, esse poder estava claramente disperso. Em cada área ou região, era a câmara respectiva que exercia o poder.
Formavam-se, dessa forma, sistemas políticos regionais praticamente soberanos, governados de maneira autônoma. O Brasil Colônia formava uma unidade  somente no nome. Na realidade, compunha-se de um conglomerado de organismos político-administrativos independentes, ligados apenas pelo domínio comum, mais teórico do que efetivo, da mesma metrópole.
O GRANDE CICLO DO OURO E DOS DIAMANTES
A segunda metade  do século XVII foi uma fase de profunda estagnação econômica para  a metrópole portuguesa e suas colônias. A retomada do desenvolvimento da lavoura açucareira do Nordeste brasileiro não apresentava perspectivas de êxito, pois o mercado internacional de produtos tropicais atravessava um turbulento período, marcado pela desenfreada competição entre as nações colonialistas. Assim, tanto a Coroa lusitana  quanto os  colonos brasileiros compreenderam que o único recurso para a manutenção da estabilidade político-econômica do mundo português consistia na descoberta de metais preciosos. Logo, a partir da Capitania de São Vicente, assolada pelo espectro da pobreza, o bandeirismo sairia em busca de riquezas minerais ocultas no  sertão.
Prontamente, o governo de Lisboa, também interessado em fugir ao colapso econômico, estimulou os bandeirantes à prospecção aurífera, dando-lhes relativa ajuda técnica e prometendo honrarias, cargos e patentes militares na eventualidade de sucesso.
As expedições vicentinas que inauguraram o “grande ciclo do ouro”,  foram as de Garcia Rodrigues Pais e Antônio Rodrigues Arzão. Este último, partindo de Taubaté em 1693 (encontrou metais preciosos na região do rio Casca, em Minas Gerais). Sua descoberta foi imediatamente comunicada ao governador Sebastião de Castro Caldas que, do Rio de Janeiro, transmitiu o fato a Lisboa.
No ano seguinte, de posse de um rústico roteiro que lhe fora fornecido por Arzão, o bandeirante paulista Bartolomeu Bueno de Siqueira  constatou a presença de veios auríferos nas proximidades do rio das Velhas, também nas Gerais.
Em 1698, Antônio Dias de Oliveira, encabeçando uma “bandeira”  de cinqüenta homens, descobriu as jazidas de Ouro Preto.
Dois anos depois, Manuel de Borba Gato - na época um fugitivo da justiça  - localizou os depósitos auríferos de Sabará.
Nas primeiras décadas do século XVIII, em  decorrência das violentas lutas travadas entre paulistas e portugueses pela posse das minas da região das Gerais (Guerra dos Emboabas), o bandeirismo vicentino, tendo como ponto de partida a vila de Sorocaba, encaminhou-se para os sertões do Centro-Oeste. Em 1719, Pascoal Moreira Cabral verificou a existência de imensas reservas de ouro em Cuiabá. Anos depois, em 1726, Bartolomeu Bueno da Silva, também conhecido como  Anhangüera,  descobriu  as  opulentas jazidas auríferas de  Goiás, situadas nas Bacias do Tocantins e Araguaia.
·                        O contexto histórico em que surgiram as primeiras descobertas auríferas em terras brasileiras apresentava as seguintes características:
·                        graças à eclosão da Revolução Industrial,  a  economia  européia completava  a transição do sistema feudal para o modo capitalista de produção.
·                        a supremacia mercantil dos holandeses estava sendo progressivamente substituída pelo primado industrial britânico.
·                        a associação de interesse  entre  a  camada  dominante  portuguesa e o capital  comercial holandês cedia  lugar  à subordinação econômica de Portugal à Grã-Bretanha.
·                        a economia colonial brasileira conhecia uma etapa de crise, provocada  pelo  surgimento  de  outras  áreas  coloniais  de produção açucareira, notadamente a holandesa, nas Antilhas.
A mineração nas Gerais, que resultou da experiência adquirida pelos vicentinos nas incursões preadoras e na descoberta do ouro aluvional, apresentou os seguintes aspectos:
·                        não exigia tecnologia sofisticada.
·                        dispensava mão-de-obra especializada.
·                        ocorreu no interior da colônia, exigindo, em conseqüência,vias de circulação entre a zona aurífera e o litoral.
·                        obrigava o contínuo deslocamento dos exploradores, pois os depósitos de minerais  nobres  estavam situados na superfície e se esgotavam rapidamente.
·                        não demandavam grandes investimentos de capital.
·                        utilizava, fundamentalmente, o braço escravo africano.
Tendo início numa época de crise da economia açucareira, o ciclo do ouro gerou diversas alterações na vida do Brasil Colônia.
Expansão demográfica
A  mineração atraiu para a região das Gerais elementos  marginalizados  pela crise  do  latifúndio  açucareiro  e portugueses de recursos limitados, atraídos pela miragem do enriquecimento rápido. A ocupação do Centro-Sul , provocada pela mineração, processou-se em três lances sucessivos.  O primeiro  foi responsável pelas  aglomerações urbanas de São João del-Rei, Vila Rica, Mariana, Caeté, Sabará, Vila do Príncipe e Arraial do Tijuco (onde se explorariam os diamantes). Mais  tarde, em torno desses núcleos, surgiram outros: Minas do Rio Verde (1720), Minas do Paracatu (1744), Minas do Itajubá (1723) e Minas Novas (1726). O segundo núcleo de ocupação originado pela atividade mineradora localizar-se-ia no território do Mato Grosso. A descoberta de ouro em Cuiabá, em 1719, provocou a fundação de inúmeros arraiais em torno de Vila Bela, aldeia então erigida  e,  desde 1747, capital da Província de Mato Grosso. O terceiro e último centro de  povoamento  resultante  da  mineração  foi Goiás,  onde Vila  Boa  e diversos entrepostos ribeirinhos dos rios Claro e Pilões foram edificados em meados do século XVIII.
Desvalorização da terra
Durante o “grande ciclo do ouro”, a propriedade da terra perdeu sua importância, pois só o ouro era dotado de  valor. Esgotado o veio, a terra em si não mais interessava ao minerador, que a abandonava em busca de outra área. Em suma, o pesquisador de ouro não disputava títulos de propriedade imobiliária, mas concessões para minerar.
Alta do preço da mão-de-obra escrava
A capacidade aquisitiva do minerador, maior do que a do latifundiário, provocou a extraordinária valorização da mão-de-obra escrava.
Aparecimento da pequena empresa
Ao contrário da região açucareira, caracterizada  pelo  número  limitado de  grandes empresas (os latifúndios), a zona mineradora conheceu a rápida proliferação de pequenas empresas.
Aparecimento do mercado interno
O “grande ciclo do ouro”, atividade  altamente  especializada  e  de extrema  lucratividade, desconheceu, pelo menos em seus momentos iniciais, a existência de empreendimentos  econômicos secundários ou acessórios. Conseqüentemente, estabeleceu-se um sofisticado sistema de trocas entre a zona aurífera e as áreas distantes, estas encarregadas da  produção dos artigos necessários à subsistência dos moradores das Minas Gerais.
Melhoria do sistema viário
A mineração gerou uma rede de circulação terrestre, compreendendo os roteiros da região aurífera a São Paulo, ao Rio de Janeiro, a Goiás, a Mato Grosso e ao Prata.
A criação das novas capitanias
A extração aurífera propiciou o estabelecimento das capitanias de Minas Gerais (1720), Goiás e Mato Grosso (1749).
Transferência da sede administrativa da colônia
O aparecimento do depósito aurífero nas Gerais determinou a mudança da capital da colônia de Salvador para o Rio de Janeiro, em 1763.
Expansão do aparelho burocrático português
O  volume  de  riquezas  gerado  pela  mineração, os conflitos  em torno da posse das minas e os interesses tributários do erário português motivaram o crescimento do aparato administrativo luso na região das Gerais,  notadamente nos setores fiscal, militar e  judiciário.
Multiplicação das medidas restritivas à economia do Brasil, impostas pelo pacto colonial
A coroa lusitana, interessada em assegurar o domínio exclusivo das riquezas minerais do Brasil, intensificou o regime de monopólio comercial que então vigorava sobre a economia colonial brasileira.
Aparecimento de camadas médias
A mineração possibilitou a criação de novas técnicas, a ampliação das importações, a democrática utilização de utensílios destinados ao conforto, a generalização do poder aquisitivo, o desenvolvimento do trabalho livre, a melhoria das condições do trabalhador escravo e o incremento das atividades comerciais internas. Essa nova situação econômica haveria de determinar - como sempre ocorre - uma nova e correspondente estrutura de classes. Em  conseqüência,   “o grande ciclo do ouro”,  ao transformar a infra-estrutura das Gerais, provocou, pela primeira vez na história brasileira, o aparecimento de camadas médias.
Ao contrário do que ocorreu na agricultura canavieira e na pecuária - atividades econômicas  dos dois primeiros séculos da colonização - a mineração brasileira foi submetida desde o início a uma rigorosa disciplina fiscal-administrativa. Logo após as primeiras descobertas auríferas em Minas Gerais, Portugal, com  a finalidade de regulamentar a extração mineral, instituiu o Regimentos dos Superintendentes, Guarda-Mores e Oficiais Deputados para as Minas de Ouro (1702). De acordo com este documento:
·                        criava-se um órgão administrativo especial, a Intendência das Minas, encarregado de dirigir, fiscalizar e tributar a mineração.
·                        as Intendências, implantadas em todas as capitanias nas quais se achasse ouro, eram subordinadas diretamente ao governo de Lisboa, sendo totalmente independentes de governadores e outras autoridades coloniais.
·                        a descoberta de jazidas devia ser comunicada à Intendência da respectiva capitania; caso contrário, ficava-se sujeito à aplicação de severas penas. Toda vez que uma jazida era descoberta, “os funcionários competentes - os guardas-mores - transportavam-se para o local, demarcavam os terrenos auríferos e, em dia e hora marcados e previamente anunciados, realizava-se a distribuição entre os mineradores presentes. A distribuição se fazia por sorteio e proporcionalmente ao número de escravos com que cada pretendente se apresentava; mas, antes desta distribuição geral, o descobridor da jazida tinha direito de escolher livremente sua “data”,  nome dado às propriedades mineradoras; e depois dele, a Fazenda Real também reservava uma para si” (Caio Prado Jr.).
·                        a exploração das “datas”,  após sua distribuição, devia ser iniciada no prazo de quarenta dias.
·                        eram proibidas transações com as propriedades mineradoras.
O Erário Régio português impôs sobre as atividades mine­radoras um pesado imposto: o quinto de todo o ouro extraído. Conseqüentemente, os mineradores procuraram sempre burlar a fiscalização lusitana. A Fazenda Real introduziu, então, meios indiretos para a cobrança, criando inicialmente a capitação dos escravos , ou seja, um tributo fixo, pago em metal nobre, sobre cada trabalhador das minas. Este sistema não deu resultado, pois o tributo era pago mesmo quando se tratava de apenas trabalhos preliminares de prospecção, os quais, na maioria  das vezes, não produziam o fruto esperado. Desta maneira, os mineradores atemorizados diante da carga fiscal imposta pela capitação, perderam o interesse em procurar novos depósitos auríferos. Mais tarde, criaram-se as Casas de Fundição, onde todo o ouro extraído era fundido, “quitado” e marcado com o selo real. A partir de então, foi rigorosamente proibido o manuseio do ouro em pó ou em pepitas. Aquele que fosse pilhado com ouro sob outra forma que não em barras gravadas com o sinete da Coroa corria o risco de perder seus bens e, até mesmo, de ser degredado para a África.
Por fim, para coibir o contrabando do metal - que se intensificara, apesar da fiscalização - foi estipulada uma conta anual mínima para o tributo. Quando o “Quinto” arrecadado não atingia 100 arrobas (cerca de 1500 quilos), procedia-se à derrama - uma série de impostos indiretos sobre o comércio, escravos, casas de negócio, trânsito pelas estradas, etc., que obrigava a população a completar a soma exigida pela Coroa portuguesa.
A decadência da mineração aurífera, que já se fazia sentir desde meados do século XVIII, derivou de várias causas:
·                        esgotamento das jazidas.
·                        técnicas de exploração deficientes (em parte motivadas pelo baixo nível intelectual do colono português).
·                        desorganização da administração portuguesa (o pessoal responsável pelas Intendências era constituído por burocratas e legistas incumbidos de interpretar e aplicar os complicados regulamentos instituídos pela Coroa, interessada quase unicamente em garantir suas rendas fiscais. Na realidade, as Intendências portuguesas, durante todo o “grande ciclo do ouro”,  não contaram com uma só pessoa  que entendesse de mineração).
Em 1720, Bernardo da Fonseca Lobo revelou a existência de diamantes na região do Arraial do Tijuco (hoje Diamantina), em Minas Gerais. O Brasil tornava-se o primeiro explorador moderno dessa riqueza. Pouco depois, em 1733, por ordem da Coroa, foi demarcado o território em que se encontravam os diamantes - Distrito Diamantífero - para isolá-lo das terras adjacentes.
O primeiro regime estabelecido para a mineração de diamantes foi a exploração contratual - concessão outorgada como privilégio a certas pessoas, que eram obrigadas a pagar uma quantia fixa pelo direito de exploração. Em 1771, o sistema foi modificado pelo Marquês de Pombal que, ao organizar a Junta da Administração Geral dos Diamantes, entregou à própria Fazenda Real  o monopólio da exploração diamantífera (sistema da Real Extração).
·                        O declínio da mineração diamantífera, mais ou menos contemporâneos ao do ouro, teve causas similares. Entretanto, alguns fatores específicos vieram acelerá-lo.
·                        desvalorização das pedras, provocada pelo seu grande afluxo no mercado europeu (os crônicos apertos financeiros da Coroa portuguesa obrigavam-na freqüentemente a lançar no mercado mundial grande quantidade de pedras, o que acarretou a brutal desvalorização do diamante brasileiro).
·                        administração inepta, incapaz de racionalizar e reduzir os custos da extração diamantífera

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