AS REFORMAS RELIGIOSAS E SEUS CONTEXTOS*
A
Reforma representou um dos movimentos históricos fundamentais do inicio dos
Tempos Modernos. Foi motivada por um complexo conjunto de causas que
ultrapassaram os limites de mera contestação religiosa a Igreja Católica. O
homem do século XVI fez transparecer no plano religioso toda uma série de
descontentamentos que refletiam sua condição de vida material e toda uma
postura política, social e econômica.
A
Igreja Católica sofreu diretamente o impacto das transformações ocorridas na
sociedade européia durante o século XVI. Vários movimentos religiosos deixaram
de reconhecer os dogmas estabelecidos pela Igreja e a autoridade do Papa. Esses
movimentos religiosos, conhecidos genericamente como Reforma, tinham intimas ligações
com o desenvolvimento do comercio e com a formação de uma nova categoria
social: a Burguesia.
A concepção católica de mundo já não mais atendia
aos anseios e as novas formas do pensar e de viver difundidas pelo
Renascimento. E como a Igreja católica tinha um pensamento de continuidade e
mantinha-se fiel aos princípios do Feudalismo, que lhe dava inúmeras regalias,
houve uma forte reação por parte dos novos setores da sociedade, que elaboraram
uma nova vertente do cristianismo, mais adaptada às necessidades burguesas. Não
houve propriamente uma ruptura no campo religioso do ocidente, pois as Igrejas
Protestantes que surgem continuam com a doutrina crista, porém com uma
releitura desta para o novo contexto que se delineava na sociedade européia
naquela ocasião.
REFORMA PROTESTANTE
Deu-se o nome de
Protestantismo a todos os movimentos que nesse período criticavam e romperam
laços com a Igreja Católica. Dentre os fatores que motivaram modificações
ideológicas e doutrinarias podemos apontar:
·
O homem do Renascimento foi
profundamente influenciado pelo Humanismo, isto é, elegeu o conhecimento
sobre si mesmo como o centro das atenções e dos estudos, sendo que as criticas
a Igreja se baseavam exatamente nesse humanismo renascentista. Erasmo de
Roterdam, por exemplo, criticava a Igreja por ter se distanciado dos ideais de
humildade e pobreza e ter passado a valorizar a riqueza, o luxo, o prazer e a
ociosidade. Ele lembrava que a Igreja crista primitiva era exatamente oposta,
pois buscava a simplicidade, a piedade e o amor ao próximo.
·
A Igreja dos Papas renascentistas era
a Igreja do luxo, que acumulava riquezas com a venda de relíquias tidas como
sagradas. Isto fazia com que junto à população às criticas a Igreja aumentassem
ainda mais.
·
A própria formação das Monarquias
Nacionais, com um rei dominando um território nacional, contribuiu para
aumentar o conflito com a Igreja e diminuir sua autoridade. Cada rei
representava uma nação e a idéia de monarquia nacional se opunha frontalmente
ao universalismo católico medieval. A consolidação e ampliação da autoridade do
rei se fazia em detrimento da autoridade temporal dos Papas.
·
Um dos fatores mais importantes do
movimento da Reforma estava relacionado com a questão do lucro e da usura. A
Igreja Católica acumulava riquezas materiais através de artigos de luxo, obras
de arte e terras, mas condenava o lucro que os demais segmentos sociais
obtinham em suas atividades considerando-o pecaminoso e a cobrança de juros no
empréstimo de dinheiro, como roubo. Era impossível conciliar essas posições e
as pessoas não queriam agir contra as “leis divinas”.
Quanto
a esta última questão, os pregadores calvinistas passaram a difundir a idéia de
que aquele que ganhasse dinheiro legalmente e o acumulasse estava, na verdade,
agindo segundo os caminhos de Deus. Por esta razão, a burguesia em algumas
partes da Europa aderiu quase inteiramente as idéias da Reforma, com, por
exemplo, à Holanda, em outras regiões tal fato não ocorreu na mesma
intensidade.
Quando
se fala em Reforma, uma questão surge quase que automaticamente: Porque a
Reforma começou na Alemanha?
Enquanto
a França, Portugal, Espanha e Inglaterra ram países unificados politicamente,
com um rei no poder, a Alemanha não existia enquanto nação. Era um grande
conjunto de Estados independentes chamado de Sacro Império Romano Germânico.
Isso significava que não havia um governo central, mas sim uma autoridade
teórica exercida por um imperador com pouquíssima força política. Na verdade, o
poder estava distribuído entre diversos pequenos Estados dominados por
príncipes, nobres e membros do alto clero. Sempre que um imperador tentava
centralizar o poder, tanto a Igreja quanto os príncipes e nobres em geral se
uniam para lutar contra essa tentativa.
A
Igreja católica representava tudo o que estava ligado às praticas feudais. Os
impostos que a Igreja mandava para Roma enfraqueciam ainda mais o poder do
imperador. Ao mesmo tempo a burguesia alemã bastante fraca se comparada à
inglesa e a francesa, via a Igreja como serio obstáculo a suas atividades.
A
própria nobreza alemã tinha seus motivos para ser contra a Igreja Católica, que
era a maior proprietária de terras na “Alemanha”. As camponesas também tinham
suas razões para discordar dos rumos que a Igreja vinha tomando. Isto porque os
impostos cobrados pela Igreja eram pesados e exigiam duras jornadas de
trabalho. Foi nesse contexto que eclodiu a Reforma Protestante nos Estados
Alemães.
A
doutrina protestante passa a ter como base a Teologia Agostiniana
(defendida por Santo Agostinho) que sustentava a fé como única fonte de
salvação e defendia o principio da predestinação. Para os protestantes
luteranos a Bíblia era a autentica base da religião e, portanto, o culto
dever-se-ia reduzir a leitura e ao comentário das Sagradas Escrituras, com a
livre interpretação das mesmas. Também só deviam ser conservadas as praticas
instituídas por Cristo e por ele transmitidas através do Novo Testamento.
Nesta
mesma linha de idéias foi negada a existência do purgatório e dos sete
sacramentos, reconhecendo apenas dois: batismo e eucaristia. Não aceitavam o
culto das imagens, da Virgem Maria e dos Santos. Nos cultos religiosos
adotou-se a língua nacional no lugar do latim e os ministros religiosos
deveriam integrar-se o mais possível na comunidade dos fieis abolindo-se assim
o celibato clerical. Os luteranos e os calvinistas ainda extinguiram a
hierarquia eclesiástica da organização de suas Igrejas.
A
transformação no campo religioso representou uma mudança nas sociedades em que
se instalou, principalmente no que diz respeito ao poder político: à medida que
a supremacia milenar da Igreja se rompia em alguns países europeus, o poder
antes concentrado na Igreja, passa a ser transferido para a figura do monarca.
A
Reforma Protestante trouxe consigo assim, mudanças que possibilitaram a
expansão do capitalismo.Os ideais reformistas apesar de estarem intimamente
ligados as idéias renascentistas, não romperam definitivamente com o mundo
feudal é certo, porém que podem ser associadas às idéias renascentistas à
medida que colocaram o homem como um ser capaz de pensar e de agir por si
mesmo.
CONTRA-REFORMA
Com o
movimento protestante, a Igreja Católica sentia-se bastante enfraquecida, a
Inglaterra já não era mais católica, grande parte da Alemanha havia se
convertido ao luteranismo.
Diante
dos movimentos que se espalhavam por toda Europa, tendo somente Portugal
Espanha e Itália como exceções, a reação inicial da Igreja Católica foi a de
punir os lideres rebeldes, na esperança de que as idéias dos reformadores não
se propagassem e de que o mundo cristão recuperasse a unidade perdida. Essa
tática, entretanto, não deu bons resultados, uma vez que o movimento
protestante avançou pela Europa, conquistando crescente número de seguidores.
Era, portanto, necessário reconhecer o Cisma do Ocidente, 500 anos após os
ortodoxos ter conquistado sua autonomia no Cristianismo.
Inicio-se
dentro do Catolicismo, um amplo movimento de moralização do clero e de
reorganização das estruturas administrativas da Igreja. Esse movimento de
reformulação da Igreja Católica passou a ser conhecido como Contra-Reforma ou
Reforma Católica.
Todo um
conjunto de medidas foi colocado em pratica para atuar contra o continuo avanço
protestante ou na pior das hipóteses, atenuar seus efeitos sobre a sociedade
européia. Verifica-se, portanto, que o catolicismo foi obrigado a adequar-se
aos novos valores e padrões provenientes das mudanças em curso.
A
Reforma Católica se destaca pela busca da restauração da antiga ordem baseada
na tradição medieval-feudal. Tem o objetivo de combater as doutrinas
protestantes, o que foi idealizado pelo Concilio de Trento (1545-1563),
pelo qual se reafirmou os dogmas e os preceitos Tomistas (defendidos
pelo teólogo São Tomás de Aquino) do catolicismo, que pelo principio do livre
arbítrio, ou seja, pela concepção de que cada indivíduo escolhe sua salvação ou
o caminho da perdição e a salvação decorre da conjugação da fé do individuo e
das boas obras que ele realiza. No entanto, proíbe a venda de Indulgências e
cargos eclesiásticos, para esses últimos visando a melhor formação dos
clérigos, criou-se os Seminários, escolas especiais para a formação de padres.
Uma
das primeiras “armas” utilizadas pela Igreja Católica foi à reativação do
antigo Tribunal do Santo Oficio da Inquisição, que havia sido esquecido
no final da Idade Média. Pelo Tribunal da Inquisição seriam julgados todos
aqueles que fossem suspeitos de difundir novas idéais religiosas, ou seja, o
Protestantismo. Com isso a vida de um protestante num país católico tornava-se
praticamente impossível.
Além
do tribunal inquisitório, a Igreja criou o Índex, uma lista de títulos
de livro considerados proibidos para um católico ler, pois poderia trazer
idéias profanas e pecaminosas, gerando um entrave ao progresso cultural e
cientifico europeu no período.
A
Reforma Católica foi reforçada com o surgimento de novas ordens religiosas. Uma
dessas ordens foi a Companhia de Jesus, constituída pelos jesuítas, que
tinham em sua organização a rigidez militar. A Companhia de Jesus fortaleceu o
catolicismo dentro dos países que permaneceram fieis a Igreja Católica,
exercendo principalmente uma função educadora, com o claro objetivo de dar
continuidade ao catolicismo e barrar a infiltração de idéias protestantes.
É
importante lembrar que todo estes acontecimentos ocorreram no mesmo instante
que as Monarquias Nacionais se fortaleciam tornando-se absolutas.
* Texto elaborado
por Vitor Hugo Garaeis, graduado em História pela ULBRA.
Referências Bibliográficas:
LUIZETTO, Flavio. Reformas
Religiosas. SP: Contexto, 1989.
MARQUES, Adhemar
M., BERUTTI, Flavio C., FARIA, Ricardo de Moura. História Moderna através de
textos. SP: Contexto, 1997.
RANDELL, Keith. Lutero
e a Reforma Alemã. SP: Ática, 1995.
THOMAS, Keith. Religião
e declínio da magia. SP: Cia das Letras, 1991.
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