terça-feira, 19 de junho de 2012

Bill Aberdeen


Em 1845, o Parlamento britânico aprovou uma lei - proposta pelo ministro George Aberdeen - conferindo amplos poderes às autoridades inglesas na repressão ao tráfico de escravos feito em navios brasileiros. A lei, transcrita abaixo, ficou conhecida como bill Aberdeen e foi sancionada em 8 de agosto de 1845, provocando protestos no Brasil.

    Porquanto se concluiu uma convenção entre sua falecida majestade el-rei Jorge IV e o imperador do Brasil para a regulação e final abolição do tráfico africano de escravos, assinada no Rio de Janeiro aos 23 dias de novembro de 1826; e portanto, pela dita convenção se estipulou entre as altas partes contratantes adotar, para o fim e pelo período ali mencionado, os diferentes artigos e estipulações dos tratados concluídos entre sua dita falecida majestade e el-rei de Portugal a este respeito aos 22 dias de janeiro de 1815, e aos 28 dias de julho de 1817, bem como os diversos artigos explicativos que lhes foram adicionados com as instruções, regulamento e instrumentos anexos ao tratado de 28 de julho de 1817, nomeando-se imediatamente comissões mistas para julgarem os casos dos navios detidos em virtude das estipulações da referida convenção de 23 de novembro de 1826; e porquanto tais comissões mistas foram conseqüentemente nomeadas, e foi no oitavo ano do reinado de sua dita falecida majestade promulgada uma lei para pôr aquela convenção em execução intitulada "Lei para pôr em execução uma convenção entre S. M. e o imperador do Brasil para a regulação e final abolição do tráfico de escravos"; tendo aos 12 dias de março de 1845 notificado o governo imperial do Brasil ao de S. M. que as comissões mistas inglesa e brasileira, estabelecidas no Rio de Janeiro e em Serra-Leoa, cessariam no dia 13 do dito mês de março; mas que o governo imperial concordaria em que as ditas comissões mistas continuassem por mais seis meses para o único fim de julgarem os casos pendentes e aqueles que pudessem ter ocorrido antes do dia 13 de março; e tornando-se necessário prover à adjudicação dos navios detidos em virtude das estipulações da dita convenção de 23 de novembro de 1826, cujos julgamentos estavam pendentes ante as ditas comissões ou qualquer delas, e ficaram por decidir no dito dia 13 de março, e de todos os mais navios que possam ter sido detidos em virtude da dita convenção antes do dito dia 13 de março mas que então não tinham sido apresentados a julgamento: decreta S. M. a rainha, por conselho e consentimento dos lordes espirituais e temporais e dos comuns, reunidos no presente parlamento, e por autoridade do mesmo:
    1o: Que será lícito às ditas comissões mistas, estabelecidas no Rio de Janeiro e em Serra-Leoa, proceder até o dia 13 de setembro do ano corrente à adjudicação dos navios detidos em virtude da dita convenção de 23 de novembro de 1826, cujos julgamentos estavam pendentes ante elas ou qualquer delas, e não foram decididos até o dia 13 de março, e de todos os mais navios que possam ter sido detidos em virtude da dita convenção antes do dito dia 13 de março, mas que então não tinham sido levados a julgamento, da mesma maneira e com os mesmos poderes e autoridade a todos os respeitos que possuíam e exerciam em virtude da dita Convenção e do dito ato do parlamento.
    2o: E declara-se e decreta-se que qualquer decreto ou sentença que possa ter sido ou venha a ser dado por qualquer das ditas comissões mistas inglesa e brasileira, estabelecidas no Rio de Janeiro e em Serra-Leoa, sobre qualquer navio ou navios capturados e levados perante qualquer das ditas comissões desde o dito dia 13 de março último até o dia 13 de setembro próximo futuro inclusive, por qualquer pessoa ou pessoas ao serviço de S. M., que obrem em virtude de ordem ou autorização, como referido fica, é e será bom e válido para todos os intentos e fins.
    3o: E porquanto, pela dita convenção de 23 de novembro de 1826, se acordou e ajustou entre as altas partes contratantes que no fim de três anos, contados da troca das ratificações da dita convenção, não seria lícito aos súditos do imperador do Brasil empregarem-se ou fazerem o tráfico de escravos africanos por qualquer pretexto ou maneira que fosse, e que tal tráfico, feito depois daquele período, por qualquer pessoa súdito de S. M. I. seria considerado e tratado como pirataria: e porquanto se tornou necessário, para o fim de levar a efeito a dita convenção, que seja revogada aquela parte do dito ato do oitavo ano do reinado de sua falecida majestade el-rei Jorge IV, que proíbe o alto tribunal do Almirantado e os tribunais de Vice-Almirantado de exercerem jurisdição sobre navios capturados em virtude da dita convenção, e que se adotem outras medidas para que tenha ela a devida execução: decreta-se que toda a parte do dito ato que proíbe o alto tribunal do Almirantado, ou qualquer tribunal de Vice-Almirantado em qualquer parte dos domínios de S. M. de julgar qualquer reclamação, ação ou causa da dita convenção, ou que encerra alguma estipulação para interdizer uma tal reclamação, ação ou causa ou procedimento no alto tribunal do Almirantado, ou em qualquer dos ditos tribunais de Vice-Almirantado, fica revogada.
    4o: E decreta-se que será lícito ao alto tribunal do Almirantado e a qualquer tribunal de Vice-Almirantado de S. M. dentro de seus domínios tomar conhecimento e julgar qualquer navio que faça o tráfico de escravos africanos em contravenção da dita convenção de 23 de novembro de 1826, e que for detido e capturado por aquele motivo depois do dito dia 13 de março por qualquer pessoa ou pessoas ao serviço de S. M. que para isso tenham ordem ou autorização do lorde grande-almirante ou dos comissários que exercerem o cargo de lorde grande-almirante ou de um dos secretários de Estado de S. M., bem como os escravos e cargas nele encontrados, pela mesma maneira, e segundo as mesmas regras e regulamentos que contenha qualquer ato do Parlamento ora em vigor, em relação à repressão do tráfico de escravos feito por navios de propriedade inglesa, tão inteiramente para todos os intentos e fins como se tais atos fossem de novo decretados neste ato, quanto a tais navios e a tal alto tribunal do Almirantado ou a tais tribunais de Vice-Almirantado.
    5o: E decreta-se que todas as pessoas que obrarem em virtude de uma tal ordem ou autoridade do lorde grande-almirante ou dos comissários que exercerem aquele cargo, ou de um dos secretários de Estado de S. M. ficam isentos e serão indenizados de todos os mandatos, ações, causas e procedimentos quaisquer, e de todo e qualquer ato judicial e penas, por ter parte em tal busca, detenção, captura ou condenação de qualquer navio que tenha sido encontrado a fazer o tráfico de escravos africanos, em contravenção da dita convenção de 23 de novembro de 1826, ou na prisão ou detenção de qualquer pessoa encontrada a bordo de tal navio, ou por causa da sua carga ou qualquer outro motivo que com isso tenha relação, e que nenhuma ação, causa, mandado ou procedimento qualquer se sustentará ou será sustentável em qualquer tribunal, em qualquer parte dos domínios de S. M. contra qualquer pessoa, por qualquer ato que pratique em virtude de tal ordem ou autorização, como fica dito.
    6o: E decreta-se que qualquer navio ou embarcação que for detido em virtude de tal ordem ou autorização, como fica dito, e for condenado pelo alto tribunal do Almirantado ou por qualquer tribunal de Vice-Almirantado de S. M. poderá ser comprado para o serviço de S. M., pagando-se por ele a soma que o lorde grande-almirante ou os comissários que exercerem aquele cargo julgarem ser o preço justo do mesmo navio; e se assim não for comprado, será desmanchado completamente, e os seus materiais vendidos em leilão em lotes separados.
    7o: E decreta-se que todos os tribunais de Vice-Almirantado comunicarão de tempos a tempos, como exigir o lorde grande-almirante, ou os comissários que exercerem aquele cargo, ao dito lorde grande-almirante, ou aos comissários, o nome de cada navio condenado em tal tribunal de Vice-Almirantado, em virtude desta lei, e a data da sua condenação; e o dito lorde grande-almirante ou os comissários comunicarão uma vez por ano a S. M. quais os navios condenados no dito alto tribunal do Almirantado, ou em qualquer tribunal de Vice-Almirantado, em virtude desta lei foram comprados para o serviço de S. M., e quais os que foram desmanchados, e em cada caso a soma do custo dos mesmos, ou a soma por que forem vendidos os materiais, e uma cópia de cada uma destas comunicações será apresentada a ambas as câmaras do Parlamento dentro de seis semanas depois que as mesmas forem recebidas, se o Parlamento estiver reunido, e se não estiver, então dentro de seis semanas depois da primeira reunião do Parlamento.
    8o: E decreta-se que todas as cláusulas contidas em um ato promulgado no quinto ano de sua falecida majestade el-rei Jorge IV, intitulado "Ato para emendar e consolidar as leis relativas à abolição do tráfico de escravos" e em um ato promulgado no primeiro ano de sua falecida majestade intitulado "Ato para reduzir o valor dos prêmios pagáveis por apresamentos de escravos" e em um ato promulgado no primeiro ano do reinado de sua majestade intitulado "Ato para melhor e mais eficazmente levar a efeito os tratados e convenções feitos com potências estrangeiras para reprimir o tráfico de escravos", no que diz respeito a incorrerem nas penas de perjúrio as pessoas que derem depoimentos falsos, a manter e prover os escravos capturados durante o julgamento, a condenar os escravos e adjudicá-los à coroa; a recompensar os captores com um prêmio pela tomada dos navios, bem como dos escravos; a autorizar os comissários do tesouro de S. M., nos casos em que o julgarem conveniente, a mandar pagar metade do prêmio, quando não se tenham condenado ou entregado escravos, em conseqüência de morte, moléstia ou outra circunstância inevitável; quanto à maneira de obter tais prêmios; a autorizar o alto tribunal do Almirantado a resolver sobre qualquer reclamação duvidosa de prêmios, e também sobre qualquer questão de captura conexa; e para pôr em vigor qualquer decreto ou sentença de qualquer tribunal de Vice-Almirantado; e também em todo o ato promulgado no sexto ano do reinado de S. M., intitulado "Ato para emendar um ato do segundo e terceiro anos de S. M. para a repressão do tráfico de escravos", serão aplicados mutatis mutandis a todos os casos de navios detidos e capturados por fazerem o tráfico de escravos africanos em contravenção da dita convenção.
    9o: E decreta-se que este ato poderá ser emendado ou revogado por qualquer ato que se promulgue nesta sessão do Parlamento.

[Extraído de Paulo Bonavides & R. A. Amaral Vieira. Textos políticos da história do Brasil (Independência - Império - I). Fortaleza: Imprensa Universitária da Universidade Federal do Ceará, s/d, pp. 401-6.]

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.