quarta-feira, 25 de abril de 2012

EXPANSÃO TERRITORIAL DO BRASIL COLONIAL

O gado e a expansão para o sertão

(...) Para Roberto Simonsen, quatro foram os instrumentos econômicos que ampararam a expansão para o interior: a criação de gado, como "retaguarda econômica das zonas de engenho e, mais tarde, em decidido apoio à mineração"; a caça ao índio, como suprimento de mão-de-obra em face do comércio africano em declínio, em meados do século XVII; e a busca de especiarias e drogas do sertão.
Entretanto, o elemento mais importante nesta fase, foi o gado e sua expansão através de currais, na luta pela vida e morte contra o primeiro ocupante da terra, desfazendo o mito da boa convivência dos índios com os currais (...)
Francisco Carlos Teixeira da Silva. Conquista e colonização da América Portuguesa

Expansão bandeirante
A bandeira é uma expedição guerreira de centenas e até milhares de homens: a de Manoel Preto, Raposo Tavares e outros (1629) conta 69 bandeirantes, 900 mamelucos, 2 mil índios flecheiros. Algumas mobilizam a maioria da vila, de crianças a velhos, às vezes, mulheres. Varam o sertão durante alguns meses ou anos. Percorrem, quase sempre a pé, até 12 mil km (Raposo Tavares, 1648-54, chega ao Peru e ao Amazonas). As mais demoradas param, erguem ranchos, plantam roças, colhem e seguem adiante; ou acampam um mês á margem de um rio para escavar canoas.
A caça ao índio (apreamento) é a atividade bandeirante típica. Vem dos primeiros anos da ocupação e predomina nas bandeiras do século XVI-XVII. Embora pouco lucrativa (rende 1% do açúcar), é o modo de vida dos paulistas.
Teoricamente ilegal e pecaminosa, ela é justificada e até louvada...

Domingos Jorge Velho, em carta ao rei (1694)
...[os paulistas] vão adquirir o tapuia gentio-brabo e comedor de carne humana para o reduzir para o conhecimento da urbana humanidade e da humana sociedade...
[e zomba do jesuítas] ...Em vão trabalha quem os quer fazer anjos antes de fazer homens...

A busca do ouro demora a dar frutos. Modestos achados de ouro de lavagem (de Jaraguá a Paranaguá) levam à criação da Casa da Moeda (1641) sem enriquecer SP. Mas as minas do vizinho Peru, as lendas (serras da Prata, Sabarabuçu, dos Martírios, do Rei Branco) e a função de acobertar o apreamento impulsionam a busca. Fernão Dias Pais, em busca da legendária serra das Esmeraldas, passa, sem saber, por ricas jazidas de ouro (rio das Velhas) e diamantes (Serro Frio). Só no fim do século XVII (1683?), surge o primeiro grande achado de ouro, no riacho Tripuí, onde fica a Ouro Preto ...

As Missões e a Guerra Guaranítica
A aldeia missionária é o único modelo colonizador que não destrói em bloco a cultura indígena.
Mantém a propriedade coletiva do tupambae (terra de Deus, de Tupã, divindade menor associada por equívoco ao Deus cristão), do gado, oficinas artesanais e manufaturas, que têm notável progresso. Adota e cultiva a língua Guarani.
Absorve ou tolera tradições, lendas e costumes que não conflitem com a fé cristã. Tem 4-15 mil habs., como as grandes cidades coloniais.
Destribalizadora, marginaliza os caciques e persegue os pajés. Um cabildo (conselho) e 2 alcaides eleitos têm o poder formal, tutelado pelos padres (2 por aldeia).
A Ordem enfeixa a relação intermissões e o intenso comércio (erva-mate, tabaco, madeira).
Vida disciplinada, regulada por toques de sinos; punição dos pecados com castigos corporais...
Em 158 anos nenhum Guarani ordena-se padre (alega-se taras morais e baixo nível mental). Corpos de cavalaria e infantaria adestram-se aos domingos.
Fabrica-se fuzis e até canhões. Madri usa o exército Guarani contra índios rebeldes (Charrua 1702, Guaicuru e Mocovi 1734-1736), levantes nativistas (Comuna de Assunção, 1734-1736) e invasões portuguesas (1680-1704).
 Em 1707 há 63 reduções, com 200-300 mil habs., afora os 46 mil das missões de Chiquitos (o Brasil na época tinha 120 mil brancos ou mestiços e 180 mil escravos). A próspera empresa missionária também é chamada Império, República e Estado Jesuíta, por seu caráter paraestatal.
As missões (reduções) do Paraguai surgem em terra espanhola: 51% de sua área no RS, SC e PR, 20% no Paraguai, 15% na Argentina e 13% no Uruguai atuais.
A 1ª missão, N. Sª do Loreto (1610), fica no norte do PR atual. A conversão é trabalhosa e instável. Os Guarani, do tronco Tupi, são atraídos pela pregação (feita na sua língua), os presentes, o gado, a terra e sobretudo a chance de fugir às encomiendas (trabalho forçado).
Em 1623 há 13 reduções no Guairá (ou Guaíra, equivalente ao interior do PR atual); em 1630, 24, com 60-100 mil habs. Outras surgem no Paraguai atual, no Tape e Itatin (RS e MS atuais).

Os paulistas (bandeirantes) destroem essas missões.
 “A vida desses bandidos é ir ao sertão trazendo [índios] presos para vendê-los como pombas”, diz um jesuíta.
 “É Deus que nos dá a ordem, no Livro de Moisés: combatei as nações pagãs”, revida Raposo Tavares.

As bandeiras matam velhos e crianças (poupam os padres) e voltam a SP com até 4 mil homens e mulheres acorrentados pelo pescoço. As missões, proibidas de ter armas de fogo, não têm defesa. Os ataques de 1618-1641 levam 300 mil escravos! O resto das aldeias do Guaíra (2.500 famílias) emigram em massa (1631), em 700 canoas. Nesse ano a Coroa autoriza o uso de armas e o exército Guarani (adestrado pelo leigo Domingos Torres) obtém a 1ª vitória, em Caaza-paguaçu. Na grande batalha fluvial de M'Bororé (1640), 4 mil Guarani do capitão-geral Inácio Abiaru vencem 800 paulistas e 6 mil índios e 900 canoas de Jerônimo Pedroso dos Satnos. A partir de M’Bororé, as incursões paulistas rareiam.

A Guerra Guaranítica (1750-1756) marca o ocaso das missões do Paraguai. Pelo Acordo de Madri, a Espanha cede a Portugal as terras a leste do r. Uruguai (7 missões, 30 mil habs.), que devem ser evacuadas. Os jesuítas aceitam, mas os Guarani se rebelam sob a liderança de Sepé-Tiaraju, corregedor de S. Miguel, que une as aldeias e improvisa canhões de madeira dura de urundi envolta em couro. Tropas luso-espanholas, em campanha conjunta (1754), matam Sepé. Nicolau Languriu, corregedor de Concepción, assume a liderança e recorre à guerrilha, mas os luso-espanhóis forçam a batalha de Caybaté (10/2/1756), trágica para os Guarani: 1.200 mortos, inclusive Languriu. Os índios ainda têm 14 mil homens em armas, mas cedem à prédica jesuíta de resignação e obediência. Em fins de 1756 Portugal ocupa S. Nicolau, última redução rebelde.

No MA e Amazônia as missões são sobretudo jesuítas mas também de outras ordens. A conquista, tardia e rarefeita, apóia-se no esforço missionário e militar (Belém e Manaus nascem de fortes), em guerra com índios, franceses, holandeses e ingleses.
O jesuíta Antonio Vieira [1608-1697], munido de carta régia (1652) que lhe dá vasto poder, impulsiona as missões do Norte apesar do choque com os colonos, que o expulsam do MA (1684-1686). A redução é distinta da Paraguaia; os descimentos trazem índios de áreas remotas (r. Negro), pela persuasão ou à força. Não há propriedade coletiva; engenhos, fazendas de algodão e gado pertencem às ordens. Cada padre tem 25 índios a seu serviço. Os demais labutam para os colonos e as ordens em regime de servidão (ou escravidão incompleta): 6 meses-ano de trabalho obrigatório, em tese assalariado. No século XVII floresce na Amazônia a coleta de drogas do sertão (baunilha, salsaparilha, cacau, cravo, canela), também exploradas pelas ordens com mão-de-obra nativa. Em 1740, 50 mil índios vivem em 19 missões jesuítas, 19 franciscanas, 15 carmelitas e 3 mercedárias. Falam o nheengatu, língua-geral de base Tupi-Guarani, dominante na Amazônia até o século 19 e falada até hoje, Sem a fartura e independência dos Guarani, ao menos escapam à destruição física, compondo o forte substrato caboclo da população amazônica.
Expansão para o sul...
A ocupação portuguesa do litoral para em Paranaguá até meados do século 17; a espanhola permanece ao sul do rio da Prata (em contraste com a densa presença missioneira no interior). Pequenos núcleos paulistas formam os arraiais de S. Francisco do Sul (1658), Desterro (hoje Florianópolis, 1675) e Laguna (1676). As colônias avançam pouco, com base no gado solto deixado pela destruição de Guairá.
A Colônia de Sacramento, iniciativa da Coroa, visa levar o domínio luso até o rio da Prata, considerado um limite natural, pois ninguém sabe ao certo onde passa a linha de Tordesilhas [2.1]. A bula papal criando o bispado do RJ (1676) reforça a pretensão ao dar-lhe jurisdição até o Prata. O regente d. Pedro confia a fundação de um posto avançado do império luso ao novo governador do RJ, Manoel Lobo. Este parte com 5 naves, 200 soldados, muitos indígenas e ergue (1680) o forte de Sacramento (h. cidade de Colonia, Uruguai), em frente a Buenos Aires. Os espanhóis intimam Lobo a retirar-se, cercam, atacam e tornam a posição. O conflito passa à esfera diplomática e leva ao Tratado de Lisboa (1681), que entrega Sacramento a Portugal. Em 1704 d. Pedro II, por pressão inglesa, interfere na Guerra da Sucessão Espanhola (1701-1714); em represália, a Espanha volta a tomar a Colônia, após 5 meses de cerco. Pelo 2º tratado de Utrecht (1715) a Colônia é portuguesa; mas, isolada do resto do Brasil, não prospera. Ao fundar Montevidéu (1726), Madri se adianta; colonos de Buenos Aires atacam de novo Sacramento (1735). Portugal conclui que a situação é insustentável. Trata de colonizar as terras ao norte: em 1742 funda o Porto dos Casais (hoje Porto Alegre), com 50 famílias de colonos açorianos; instala outras no litoral de SC.
No Tratado de Madri (1750, negociado pelo santista Alexandre de Gusmão) prevalece o princípio do ut possidets (reconhecimento da posse efetiva): d. João V de Portugal cede Sacramento, mas garante vastos territórios na Amazônia, MT e ainda as 7 missões jesuítas da margem esquerda do Uruguai.
A disputa continua com a denúncia do tratado de Madri pela Espanha (1761), os tratados de El Prado (1762), Santo Idelfonso (1777) e Badajoz (1801), entremeados de combates. Ao final, a fronteira sul assume o contorno atual. Voltará a se conflagrar com a anexação da Banda Oriental por d. João VI e, após a independência, com as guerras Cisplatina e Platinas.

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