A globalização capitalista
A integração da economia mundial não é uma tendência
pós-Guerra Fria: é uma característica do capitalismo que Karl Marx, o pai do
socialismo científico, já havia identificado no século XIX. O que de fato muda
com o fim da Guerra Fria, da corrida armamentista, da divisão bipolar do mundo
entre os Estados Unidos e a União Soviética é que essa integração ganhou
dimensões nunca antes experimentadas.
A globalização, como se convencionou denominar essa
integração, não se dá apenas no nível da macroeconomia. Mas é, sem dúvida, a
macroeconomia regida pelo grande capital, que não se submete ao pleito popular
e é muitas vezes impermeável à democracia. Talvez seja a utopia do capital como
bandeira anti-socialista que une mundo central e mundo periférico.
Impossível pensar, hoje, em dois ou três mundos. É
equivocado pensar no mundo pobre e no mundo rico separadamente. São faces
diferentes de um mesmo sistema, o capitalista. As crises nas bolsas de valores,
na Ásia, nos Estados Unidos, na Europa e no Brasil mostram isso. Sem exceção,
nos países atingidos pela crise – na verdade todos, em maior ou menor proporção
– o Estado teve de intervir a fim de salvaguardar a estabilidade da economia, o
que beneficiou a todos, com certeza, mas onerou significativamente a camada
mais pobre da população, que arcará, no mundo inteiro, com o ônus do
desemprego. O neoliberalismo, aí, não valeu. É claro que, se não houvesse a
intervenção do Estado na economia – e isso aconteceu não só no Brasil, mas nos
Estados Unidos, no Japão, na Alemanha, no Reino Unido, na França, nos Tigres
Asiáticos, enfim em um grande número de países – a crise teria sido pior. Mas
também devemos nos ater ao fato de que, se toda crise nos possibilita pensar em
soluções e nos aprimorarmos, o Estado tem de estar de prontidão. Se ante a
ameaça de colapso do sistema o milagre neoliberal não funcionou, devemos então
pensar que ressuscitar essa prática político-econômica fracassada no século
passado não é a solução; ou então teremos de arcar com as conseqüências da
ressurreição de propostas que na prática não surtiram o efeito desejado,
criticadas atualmente até por aqueles que só conhecem fatos isolados da
História.
A nova ordem internacional do fim dos anos 80 parece não se
ter consolidado, pelo menos do ponto de vista político.
O fim da URSS
A ordem que se estabeleceu com o fim da Guerra Fria e com
a dissolução do socialismo real, inicialmente no Leste Europeu, com a
desintegração da URSS, e depois no restante do mundo, colocou em xeque a
situação vigente a partir do fim da Segunda Guerra Mundial, caracterizada pela
bipolarização do mundo, sob o ponto de vista político-ideológico, que tinha
como expoentes os Estados Unidos, à frente do mundo capitalista, dito
"Mundo Livre", e a URSS, no comando do mundo socialista, embora não
de forma unânime, haja vista as dissidências na postura de países como a China,
a Iugoslávia e a Albânia.
A nova ordem é multipolar. Nela, o mundo está dividido em
áreas de influência econômica. As alianças militares perderam o sentido, pelo
menos no que se refere à oposição ao bloco político-ideológico antagônico.
Hoje, tem lugar a expansão das alianças econômicas: União Européia, Nafta,
ALCA, Mercosul, APEC. No contexto da economia globalizada, os blocos econômicos
são um grande impulso para a otimização do crescimento econômico integrado. Os
Estados-Nação perderam espaço para a ação das transnacionais. Extinguiu-se o
embate direita-esquerda, característico do confronto leste-oeste que permeou a
Guerra Fria.
Se é possível identificar o início dessas transformações,
sem dúvida ele tem lugar em meados da década de 80, quando Mikhail Gorbachev
assumiu o poder na URSS. Com o planejamento estatal em crise desde o fim dos
anos 70, com a Guerra Fria absorvendo quase 1/3 de seu orçamento, diante da
não-adesão da população aos planos qüinqüenais, e com o comprometimento da
máquina estatal com a cultura que se criou ao redor da corrupção, Gorbachev
entendeu serem necessárias mudanças no país. Essas mudanças abrangeriam as
esferas política e econômica. Era também necessário acabar com a Guerra Fria e
abrir a economia do país aos investimentos externos, com os quais se poderia
reorientar a tecnologia, sofisticada no setor militar, para o incipiente setor
civil. A URSS tinha a capacidade de lançar mísseis intercontinentais e de
manter uma estação espacial em órbita, mas era absolutamente incapaz de
produzir automóveis ou eletrodomésticos de qualidade.
Diante dessas necessidades, Gorbachev deu início a um
amplo processo de abertura política – glasnost – e de reestruturação da
economia – perestroika.
A abertura política, que possibilitaria à população
manifestar-se a respeito de suas necessidades, tornando-a co-autora da ação do
Estado que efetivamente a representaria, possibilitou, no entanto, a eclosão de
sentimentos nacionalistas, sufocados duramente durante a Guerra Fria. A
reestruturação da economia, que redirecionaria a ação do planejamento estatal
para o setor civil, fez vir à tona o que de fato era sabido pelo governo e pela
sociedade soviética: que o planejamento estatal fora um fracasso, se não em sua
totalidade, pelo menos devido à consolidação da burocracia e da maquiagem dos
resultados que o Estado procurou contabilizar politicamente.
O caos econômico, associado à instabilidade política,
efeitos colaterais do processo de modernização do país, levaram a URSS ao fim
em 1991. E diante da necessidade de manutenção da integração econômica das
ex-repúblicas soviéticas, visto que ainda não gozavam de autonomia nesse setor
para se inserirem no mercado internacional, criou-se a CEI – Comunidade dos
Estados Independentes, que tinha também como atributo o monitoramento do
arsenal da ex-URSS.
Os países pós-socialistas
Efetivamente a CEI nasceu morta. Do ponto de vista econômico,
as ex-repúblicas soviéticas tomaram rumos não necessariamente concordantes. O
fato é que pouco resta hoje do que já foi a segunda maior economia do mundo. As
crises se sucedem.
A Rússia, detentora da maior parcela do arsenal da
ex-URSS, vive uma crise sem precedentes. A incerteza na sucessão do presidente
Boris Yeltsin torna os investidores externos temerosos. A política econômica do
Estado russo não dá conta das garantias exigidas pelo mercado internacional
para a completa inserção do país. O rublo desvaloriza-se a cada dia. O Estado
já pediu uma moratória. Além disso, movimentos nacionalistas eclodem em
constante tensão – caso da Chechênia e, mais recentemente, do Daguestão.
No resto do países que outrora se admitiam socialistas, a
situação não é muito diferente. Na Europa, alguns como a Hungria, a Polônia e a
República Checa vislumbram a possibilidade de ingressar na UE – União Européia;
outros como as ex-repúblicas soviéticas Casaquistão, Uzbequistão e Quirguízia
vêem seus governos ameaçados pela expansão do islamismo. A Coréia do Norte e
Cuba amargam embargos econômicos que impedem tentativas mais concretas de
ingressar no mundo sem fronteiras. Enfim, implodiu-se o mundo socialista, ou
mais propriamente o socialismo real, deixando órfãos e sem orientação os
partidos de esquerda; alguns até sucumbiram à proposta neoliberal.
O neoliberalismo do primeiro mundo
Na Europa Ocidental, o fim do socialismo significou a
aparente vitória do neoliberalismo. No início dos anos 90 a política da Europa do
Oeste inclinou-se para propostas com menor participação do Estado, atribuindo
ao mercado a solução de muitos problemas. Afortunadamente, a população desses
países entendeu muito rápido que essa política neoliberal traria o retrocesso,
e as grandes perdas seriam sentidas na área social. Na segunda metade da década
de 90, a
tendência neoliberal foi desbancada politicamente na Alemanha, na França, na
Itália e na Inglaterra.
A globalização que derruba fronteiras poderia
desestabilizar a economia da Europa unida e colocá-la à mercê do capital
especulativo internacional, criando espaço para a ação maior de capitais
americanos.
A nova ordem internacional acabou com um sem-número de
conflitos diretamente ligados à ação das superpotências; mas fez surgir outros,
na sua maioria de origem étnica, religiosa e nacional, que durante a Guerra
Fria foram mantidos em estado latente, pois poderiam ameaçar a hegemonia das
superpotências sobre determinados países ou regiões.
Entre os países capitalistas, a despeito de ter-se pronunciado ainda mais a diferença entre ricos e pobres, agora Norte-Sul, vale a abertura dos mercados, o fim de restrições comerciais e a implantação de um comércio mais amplo, sob a égide da OMC – Organização Mundial do Comércio, que substituiu o GATT – General Agreement of Taxes and Trading (Acordo Geral de Tarifas e Comércio).
Entre os países capitalistas, a despeito de ter-se pronunciado ainda mais a diferença entre ricos e pobres, agora Norte-Sul, vale a abertura dos mercados, o fim de restrições comerciais e a implantação de um comércio mais amplo, sob a égide da OMC – Organização Mundial do Comércio, que substituiu o GATT – General Agreement of Taxes and Trading (Acordo Geral de Tarifas e Comércio).
A palavra de ordem é a inserção no mercado mundial. Os
capitais estão cada vez mais livres e, perante uma variada gama de
possibilidades de investimentos, deslocam-se facilmente de um país para outro,
de uma economia menos atraente para outra mais atraente, até que uma outra
surja, num fluxo contínuo de investimentos que se movimentam ao sabor dos
ventos da economia.
O neoliberalismo nos países emergentes
No entanto, os efeitos alucinantes do mercado livre, das
múltiplas possibilidades de investimento e de integração econômica acarretaram
a atual crise mundial.
Os países emergentes, como os Tigres Asiáticos, a Rússia,
e o Brasil, sucumbiram à mobilidade do capital internacional. Dependentes de
investimentos externos, esses países foram obrigados a abrir suas economias e
seu mercado consumidor. No entanto, a concorrência dos produtos importados
frente aos nacionais abalou o parque industrial dos países do sul, exceção
feita aos Tigres Asiáticos. Seus governos, por sua vez, não responderam ao
chamado neoliberal de atribuir cada vez mais ao mercado o equacionamento das
questões sociais. Endividadas e com máquinas administrativas inoperantes do
ponto de vista político e monetário, essas economias quebraram.
O smart money – o “dinheiro esperto”, ou seja, o capital
especulativo internacional – não vê nesses países amplas possibilidades de se
reproduzir. Para evitar a fuga desses capitais, essenciais para a manutenção de
seu tênue desenvolvimento, os países do sul queimam suas reservas cambiais,
elevam as taxas de juros, agravam seus problemas sociais internos, ampliam as
desigualdades, mas mantêm os investimentos externos, que não tardarão a exigir
mais e mais capitais, em mero processo de especulação.
O mundo sem fronteiras amplia as desigualdades. Isso está
expresso no relatório das Nações Unidas para o Desenvolvimento Humano. Os
países ricos enriquecem ainda mais, enquanto os países pobres perdem suas
reservas e são obrigados a se sujeitar cada vez mais às determinações do
mercado financeiro.
Com a globalização da economia, há a perspectiva de uma
maior integração no sentido de cooperação entre os países; mas existem os
excluídos – nações que não constituem Estados nacionais. A globalização não dá
conta do nacionalismo, que surge na defesa de interesses de nações apartadas do
direito a um território, o que faz eclodir inúmeros conflitos políticos,
étnicos, religiosos e até mesmo tribais. No mundo global não há espaço para
aquelas nações que, por mais justa que seja sua reivindicação, não se
constituíram como Estado e não são, portanto, economicamente viáveis. A
globalização é o que o capitalismo quer, independentemente do desenvolvimento,
da integração real e da mutualidade entre os povos.
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